Professores do Paraná relembram o massacre de 30 de agosto de 1988

O então governador, hoje senador que julga o impeachment de Dilma Rousseff, Álvaro Dias, usou a cavalaria e bombas para reprimir uma manifestação pacífica

 

 

A chuva que caiu em Curitiba nesta terça-feira (30) era mais tímida que os golpistas. Com jeito de chove e não molha, ao contrário da ânsia pela retomada do poder. Esse cenário, no centro de Curitiba, foi o palco do 28º aniversário do massacre ocorrido no dia 30 de agosto de 1988. Nesta data, o então governador do Paraná, Álvaro Dias, foi o responsável pelo massacre de milhares de professores que lutavam por melhores condições de trabalho. A data ficou marcada como “dia de luto e de luta” na educação pública do Estado e desde então leva milhares em marcha da Praça Santos Andrade até o Palácio Iguaçu. Neste ano, segundo cálculos da APP-Sindicato, entidade que organiza trabalhadores em educação no Paraná, foram cerca de 10 mil pessoas.

 

Agora, quase 30 anos depois, Álvaro Dias assumirá novamente o papel de algoz da classe trabalhadora. Desta vez não terá cavalaria em praça pública. Tampouco bombas de efeito moral. A caneta do senador é que será responsável pelo golpe que, direta ou indiretamente, atacará o ensino público no País. Assim como várias outras áreas sociais. Os ataques agora acontecem no âmbito nacional e estadual.

 

“Tem dois motivos importantes aqui. Primeiro de luto, de fazer memória, um ato de violência contra os educadores do Paraná que foi o 30 de agosto de 1988, ou seja, há 28 anos a gente realiza essa paralisação para fazer essa memória e para dizer que nenhum governo vai novamente nos tratar dessa forma. Esse é um aspecto. O outro aspecto é de luta pela pauta estadual, um governo que deve quase R$ 400 milhões. São 40 mil pessoas que têm para receber em média R$ 10 mil do governo do estado desde maio do ano passado. Um governo que anuncia um calote, seja nesse pagamento ou para a data-base do ano que vem, ele fala em revogar. E também em relação às pautas nacionais. O governo federal que anuncia o corte dos recursos de saúde e educação e o corte de direitos dos trabalhadores. Então, isso tudo motiva a gente a estar na rua”, explica o secretário de comunicação da APP-Sindicato, Luiz Fernando Rodrigues.

 

Mas e o Álvaro Dias? “É no mínimo uma contradição, não é? Alguém que tratou os trabalhadores da educação com tanta violência há 28 anos atrás, fez um desserviço à educação pública do Paraná, sucateou a educação do Paraná, hoje se coloca como o arauto da limpeza pública, como eu diria, da luta contra a corrupção”, completou.

 

Enquanto Rodrigues atendia a reportagem, o presidente da APP-Sindicato, Hermes Leão, concedia entrevista para diversos veículos de comunicação. Atrás deles um casal passeava erguendo uma bandeira pedindo “Fora Temer!” na tentativa de furar o cerco midiático.

 

Uma destas pessoas era o professor de sociologia do Colégio Estadual do Paraná, Ney Jansen. “Para nós, essa bandeira Fora Temer em defesa da escola pública foi de um Comitê que nós organizamos no Colégio Estadual do Paraná, onde eu trabalho, e coloca que o centro da luta dos trabalhadores hoje é derrubar um governo golpista, um governo que está articulado com um golpe de estado para passar a régua nos direitos dos trabalhadores, a PEC 241, a desvinculação do orçamento da saúde e da educação, a entrega do pré-sal, uma série de pautas que vão atacar o serviço público, as empresas públicas, rasgar a CLT, negociado prevalecendo sobre o legislado, uma série de propostas que visam atacar os direitos dos trabalhadores. E o Álvaro Dias, assim como o Beto Richa, são duas faces da mesma moeda, de ataque à educação pública, 30 de agosto de 1988, 29 de abril de 2014, a mesma moeda essa que é a mesma do Temer. O que está acontecendo aqui no Estado do Paraná é que o governo Beto Richa não cumpre com o que foi acordado na greve, se recusa a pagar as progressões e promoções”, atacou o professor, sabendo que desta vez a ameaça está em todos os espaços de poder.

 

Esta catarse de ameaças ficava explícita quando os discursos estavam concatenados sem uma organização tácita. Do chão da praça ao alto do caminhão de som as preocupações eram as mesmas. O ataque aos direitos dos trabalhadores, à educação e o crescimento da repressão policial.

 

“O golpe também é contra o direito dos trabalhadores. Muito provavelmente assinarão ( o governo golpista) um tratado transpacífico que coloca a legislação neoliberal escrita pelas transnacionais acima das leis nacionais. Portanto, é uma exigência das transnacionais a quebra dos direitos trabalhistas e obviamente essa quebra não se dará sem resistência. Com certeza o ministro, da Justiça, com o currículo que ele tem, que formou uma das policias mais violentas do Brasil que é a policia de São Paulo, já está mostrando a que veio”, afirmou a professora da rede pública do Paraná e secretária de Mobilização e Relação com Movimentos Sociais da CUT, Janeslei Albuquerque.

 

 

A professora esteve presente nos dois massacres realizados contra os trabalhadores em educação no Paraná. Tanto em 1988 com Álvaro dias quanto em 2015 com Beto Richa. Mas Rebeca dos Santos, de 17 anos, aluna do Colégio Estadual Senhorinha de Moraes Sarmento, nem tinha nascido no primeiro deles. E por que está ali? “Pretendo ser professora e acho que desde a minha adolescência é bom participar de manifestações em favor da educação. Mas tenho muito medo (do crescimento da violência contra os movimentos sociais), principalmente porque desejo estudar em universidade pública. Com o golpe e essa crise política também tenho medo que as classes mais baixas sejam prejudicadas”, afirmou.

 

Rebeca estava ao lado do seu professor de filosofia, Alan Diego Araújo. “Essa (o golpe) é a forma de eles conseguirem o poder e não darem os direitos dos professores. É o partido dos golpistas. Se eles conseguirem o que desejam, os direitos dos professores vão encolher cada vez mais. Eu fico com mais medo ainda (da repressão), pois se antes do golpe já aconteceu o que aconteceu, que foi o dia 29 de abril, com certeza depois será pior. Mas também tenho medo do vai acontecer com as escolas, com os alunos, com os professores e com a educação. Vejo que cada vez menos os professores têm esperança na educação. Isso é muito ruim para todos”, lamentou.

 

Tanto na praça, quanto na passeata até a chegada ao Centro Cívico de Curitiba, o que percebia-se era uma enorme diversidade. A pluralidade estava no gênero, nas raças e principalmente nas idades. Crianças, jovens, adultos, idosos, todos juntos, mirando o futuro, cuidando do presente e lembrando do passado.

 

Esse também parecia ser o sentimento do professor universitário e da rede pública estadual, Pedro Elói. Para ele, o golpista Álvaro Dias é responsável pela era da violência no Estado. “É fundamental que a memória seja preservada. Nós temos o Álvaro Dias que inaugurou a era de violência contra os professores no Paraná e fez escola. Temos agora o Beto Richa e esse povo continua no poder, acho que é por ironia mesmo que no dia 30 de agosto, em 1988, ele agredia professores, hoje o Álvaro está agredindo a democracia brasileira no Senado Federal. Então é fundamental que com a insistência e a recordação à memória traga esses momentos e esses políticos para que sejam definitivamente abolidos da política brasileira”, recordou.

 

O professor também acredita no recrudescimento da violência policial, do Estado, contra os movimentos sociais. “É absolutamente incompatível o sistema que eles querem implantar de retirada de direitos com a democracia. Então com toda a certeza que se isso efetivamente se perpetuar no governo por um longo tempo, a violência física contra as pessoas que reivindicam direitos, que reivindicam cidadania, ela vai ser cada vez mais reprimida”, finalizou. 

 

Por Gibran Mendes e Davi Macedo