Privatização do refino da Petrobras: destruição ou geração de valor?

Por Henrique Jager, economista pela UFRRJ e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep)

 

 

No dia 09/05/2019, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprovou a Resolução No 9 que “Estabelece as Diretrizes Para a Promoção da Livre Concorrência na Atividade de Refino do País”. A resolução contém um único artigo com quatro diretrizes, duas das quais destacadas a seguir por sua natureza: tratam de questões que envolvem decisões mais do âmbito empresarial do que de política energética:

 

I – Alienação concomitante de refinarias e respectivos ativos de infraestrutura necessários para a movimentação de seus insumos e produtos;

 

III – transferência de ativos de refino sem a manutenção de participação societária do alienante nesses empreendimentos;

 

Estas duas diretrizes ferem o princípio de autonomia empresarial uma vez que cabe à empresa detentora do ativo definir qual modelo de alienação melhor se adequa à estratégia de criar riqueza para os acionistas e para a sociedade. Mas por que o CNPE aprovou diretrizes que podem ser interpretadas como uma intervenção no processo de alienação das refinarias pela Petrobras?

 

No final de abril, o presidente da Petrobras veio a público anunciar que a empresa estava preparando seu novo Plano de Negócios (PNG) para o período 2020-2024 com previsão de venda integral de 8 das 13 refinarias da empresa, representando aproximadamente 50% de sua capacidade instalada de refino. A venda destes ativos só se viabiliza com a alienação conjunta da logística, tais como oleodutos, tanques de armazenagem, polidutos etc. Em outras palavras, o CNPE editou uma resolução encomendada para dar uma roupagem de política energética a uma decisão anterior da diretoria da Petrobras.

 

Para além do fato inusitado da Petrobras determinar a agenda do CNPE, cabe uma discussão sobre o caráter microeconômico dessa decisão. Um olhar sobre as Demonstrações Financeiras das principais companhias multinacionais integradas que atuam no setor aponta que o retorno econômico do refino vem sendo maior que o observado no segmento de exploração e produção de petróleo (E&P). A ExxonMobil, por exemplo, apresentou, em 2018, um Retorno Sobre o Capital Empregado (Roce) de 23,3% no refino, contra 7,9% no E&P, resultado não muito diferente do apresentado, em 2017. Cabe destacar que a capacidade de refino da ExxonMobil é duas vezes maior que sua produção de petróleo e equivalentes. Isso significa que o refino tem um papel fundamental para rentabilidade das grandes operadoras de petróleo que atuam de forma verticalizada.

 

Além desse aspecto, é preciso refletir mais sobre dois “axiomas” adotados pela Petrobras, que parametrizam o PNG e implicam em enorme constrangimento a novos investimentos:

 

(i) a meta da relação Dívida Líquida/Ebitda1 de 1,5 vezes, em 2020 e, assim permanecer. Dadas as necessidades de investimento da empresa no setor de E&P por conta do pré-sal e da oportunidade de atender um gigantesco mercado consumidor de derivados como o brasileiro, tal meta pode gerar constrangimentos para a Petrobras no longo prazo. Ou seja, a questão é: tomar as decisões de investimento/desinvestimento com o pressuposto de uma relação máxima entre Dívida Líquida/Ebitda de 1,5 vezes cria ou destrói valor em uma empresa com uma carteira de investimento como a da Petrobras que fez a maior descoberta de petróleo do mundo, nos últimos 40 anos – o pré-sal – e precisa de muito dinheiro para otimizar a produção?;

 

(ii) a adoção do preço do barril a US$ 50 dólares como parâmetro para calcular a relação Dívida Líquida/Ebitda no futuro, o que impõe um constrangimento muito maior para a empresa. Em outras palavras, a Petrobras utiliza uma projeção bem inferior ao do mercado2  para atingir sua métrica Dívida Líquida/Ebitda o que impõe como única alternativa para empresa, além dos ajustes de custeio, diga-se demitir trabalhadores, a venda de ativos; subestimando as receitas futuras e, consequentemente, abrindo mão de ativos com Valor Presente Líquido (VPL) positivo sob o argumento que precisa de dinheiro para financiar seu plano de investimentos.

 

A opção de um ajuste tão restrito da dívida tomando como referência um valor do barril do petróleo tão baixo obriga à Petrobras adotar uma estratégia de negociar parte dos seus ativos. Nesse caso, a venda do refino, como observado, pode limitar a capacidade de geração de receita da empresa no longo prazo. Ou seja, uma suposta solução de curto prazo pode afetar a capacidade da empresa de obter novas receitas no futuro. Essa seria uma decisão microeconômica mais adequada? Afinal, os gestores da Petrobras estão criando ou destruindo riqueza para os acionistas e para a sociedade?

 

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1O Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização, em português) é uma medida contábil muito utilizada na comparação de empresas internacionais como proxy do caixa gerado pela atividade operacional da empresa.

2Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) indicam que as principais projeções do mercado para o preço médio do petróleo variam entre US$ 66,7 (Banco Mundial) e US$ 83,0 (Agência Internacional de Energia), em 2025; não ficando abaixo de US$ 62,0 em nenhum momento, entre 2019 e 2025. A Agência Internacional de Energia projeta preço acima de US$ 120,0 em 2024.

3É o valor presente de todas as entradas de caixa menos o valor presente de todas as saídas de caixa. É calculado trazendo a valor presente os fluxos de caixa futuros descontados a uma taxa que remunere o capital aplicado no investimento. VPL positivo significa que o investimento cria riqueza para os acionistas e para a sociedade, não tendo sentido sua venda.

[Via INEEP]