Acidentes se intensificam na Petrobras e deixam categoria em alerta

Mortes no Rio de Janeiro e na Bahia, dilaceramento em Paranaguá e vazamento de nafta em Araucária colocam em xeque a política de segurança da gestão bolsonarista da estatal.

 

 

Uma sequência de graves acidentes aconteceu nas últimas semanas no Sistema Petrobrás. As ocorrências resultaram em duas mortes e um ferido, o que deixou a categoria preocupada com a segurança no trabalho.

 

O primeiro deles ocorreu no dia 19 de fevereiro. O caldeireiro José Arnaldo de Amorim morreu enquanto trabalhava na parada de manutenção da Refinaria de Duque de Caxias (Reduc). No momento do acidente, o trabalhador estava em local confinado. 

 

Convocada pela FUP, a categoria realizou um ato nacional para cobrar justiça e reivindicar mais segurança aos petroleiros e petroleiras. Enquanto os trabalhadores protestavam, em 24 de fevereiro, um empregado quase perdeu a perna no Terminal Transpetro de Paranaguá (PR), durante atividade com uma bomba de combate a incêndio no píer.

 

O caso no Tepar foi agravado pela irresponsabilidade e desprezo à vida por parte dos gestores. O acidente causou ao petroleiro do setor privado um longo rasgo em sua perna direita. Mesmo com a perna dilacerada, foi obrigado a voltar para o trabalho no dia seguinte. A negligência da empresa agravou o seu quadro clínico, pois o ferimento apresentou sinais de infecção e o trabalhador teve que buscar novo atendimento hospitalar, precisando ser transferido de Paranaguá para Curitiba.

 

A proporção de acidentes com trabalhadores terceirizados é muito maior do que com os próprios. Atualmente, existem doze acidentes com terceirizados para cada ocorrência com trabalhador próprio no Sistema Petrobrás. Em entrevista ao Sindipetro PR e SC (confira a íntegra no final da matéria), o diretor de SMS da FUP, Antônio Raimundo Teles, afirmou que os baixos valores dos contratos assinados pelas empresas para prestarem serviços à Petrobrás faz com que essas terceirizadas negligenciem condições de trabalho, oferecendo EPIs de baixa qualidade e mão de obra sem o devido treinamento.

 

Outra situação que colocou em risco a segurança dos trabalhadores aconteceu na Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), em Araucária-PR. No dia 09 de março houve um vazamento de nafta no setor de Transferência e Estocagem (TE). O cheiro forte do produto logo se espalhou pela unidade, o que preocupou os trabalhadores, uma vez que o composto químico é uma substância volátil, que gera risco de explosão, e possui o agente carcinogênico benzeno em sua composição.

 

De acordo com Raimundo, um dos principais motivos para o aumento das ocorrências na indústria petrolífera é a redução de investimentos em segurança e na prevenção de acidentes. “Isso abrange, de certa forma, as áreas de manutenção como um todo. A Petrobrás, com essa política implementada pelo governo de reduzir a participação da empresa no mercado, o que vem acontecendo desde o golpe de 2016, ou seja, a redução gradual e constante no que diz respeito aos investimentos da Petrobrás”, criticou o petroleiro, referindo-se aos desmontes dos governos Temer e Bolsonaro na estatal.

 

O último acidente grave ocorreu no dia 16 de março, na Bahia. Um helicóptero fez um pouso forçado que resultou em uma morte e 12 feridos. A vítima fatal foi o piloto da aeronave que levava os funcionários da Companhia à plataforma de Manati, localizada na baía de Camamu, no baixo sul do estado. No comunicado à sua força de trabalho, a terceirizada informou, de maneira lamentável, a ocorrência de apenas um “incidente”.

 

Esses acidentes revelam (ou podem revelar) números ainda mais preocupantes.  De acordo com a pirâmide de Bird, estudo teórico que ajuda a mensurar e classificar riscos laborais, para cada acidente grave ou fatal, existem outros 10 com danos físicos leves, 30 com danos materiais à propriedade e 600 acidentes menores ou quase-acidentes. Ou seja, uma proporção de 1:10:30:600.

 

Desenvolvida pelo engenheiro Frank Bird, o modelo matemático é resultado de uma série de pesquisas que avaliam o nível de severidade dos acidentes de trabalho e a frequência com que eles ocorrem. É importante frisar que eventos de quase-acidentes também apresentam ameaças à saúde ou integridade física dos trabalhadores.

 

Para Raimundo, a política de segurança, principalmente no que tange a recomposição de efetivos de trabalhadores, deve ser revista com urgência pela gestão da Petrobrás, presidida pelo general da reserva Joaquim Silva e Luna. “A ocorrência de duas mortes em tão pouco espaço de tempo na Reduc colabora com a possibilidade de que, em não havendo a contenção de todos esses processos que estão colocados, um acidente de grandes proporções pode acontecer, até com base na teoria da pirâmide. É o que a gente sempre vem apresentando para a Petrobrás durante as reuniões com a Comissão de SMS”, destacou.

 

O diretor de SMS da FUP ainda ressaltou que as atividades do setor de óleo e gás são complexas, com operações perigosas e necessitam de mão de obra especializada e em quantidade suficiente para que as situações de risco sejam contidas, a ponto de se impedir acidentes. “Sem medo de errar e de forma bastante imediata, se a Petrobras quiser frear essa onda de acidentes que ela atravessa, é preciso recompor o efetivo dos quadros operacionais e nas atividades de segurança do trabalho”, recomendou.

 

 

Entrevista com Antônio Raimundo Teles, diretor de SMS da FUP

 

Sindipetro PR e SC – Enquanto combinávamos essa entrevista, mais um empregado da Petrobrás perdia a vida em acidente de trabalho, dessa vez no litoral baiano. Qual é a razão desse aumento de ocorrências na petrolífera?

 

Raimundo – Apesar do último acidente acontecido ser decorrente de um acidente aéreo, no que tange a questão do transporte por helicópteros de trabalhadores para as bases de trabalho lá na Bahia da mesma forma que aconteceu ou que aconteceram na Bacia de Campos (RJ), a gente entende que um dos motivos principais do aumento das ocorrências na indústria petrolífera seja a redução de investimentos em segurança e na prevenção de acidentes. Isso abrange, de certa forma, as áreas de manutenção como um todo. A Petrobras, com essa política implementada pelo governo de reduzir a participação da empresa no mercado, o que vem acontecendo desde o golpe de 2016, ou seja a redução gradual e constante no que diz respeito aos investimentos da Petrobrás.

 

Quando a gente fala em investimentos, é no sentido de dizer que a partir do momento em que não se aportam recursos para de fato estabelecer políticas de manutenção e engenharia de segurança, se estabelecem as possibilidades para que mais acidentes venham a acontecer. E nós já estamos a testemunhar isso. A indústria petrolífera nacional vem sendo tomada. A Petrobrás segue vendendo, a bem da verdade, entregando para empresas privadas importantes ativos no afã de obter o retorno monetário imediato e acaba investindo cada vez menos em segurança.

 

Se eu tivesse que apontar a principal razão para o aumento dessas ocorrências na indústria petrolífera, colocaria em primeiro lugar o abandono da Petrobras no que diz respeito aos investimentos na área de segurança. A política de terceirização da segurança na estatal, com empresas que têm experiência nesse tipo de atividade, é outra razão do aumento do número de acidentes.

 

Sindipetro PR e SC – Algumas teorias sobre acidentes de trabalho, como a pirâmide de Bird, estabelecem coeficientes para indicar que várias ocorrências de menor gravidade levam a acidentes mais graves. A partir disso, é possível afirmar que a Petrobrás pode vir a sofrer um evento de grandes proporções?

 

Raimundo – A partir da teorização estabelecida por Frank Bird, em torno de quinhentos a seiscentos pequenos incidentes podem vir a gerar trinta acidentes com lesões, dez acidentes de baixa gravidade e, salvo engano, um acidente grave. Não é que a gente queira prever ou até mesmo desejar que um acidente de grandes proporções venha acontecer dentro em qualquer unidade da Petrobras, mas o que estamos a testemunhar é algo absurdo. Gostaria de dizer que a Refinaria de Duque de Caxias é um exemplo disso em relação aos aumentos constantes de acidentes que vem acontecendo sucessivamente naquela unidade. A ocorrência de duas mortes em tão pouco espaço de tempo na Reduc – a anterior aconteceu em 2016 – colabora com a possibilidade de que, em não havendo a contenção de todos esses processos que estão colocados, um acidente de grandes proporções pode acontecer, até com base na teoria da pirâmide. É o que a gente sempre vem apresentando para a Petrobras durante as reuniões com a Comissão de SMS.

 

A Petrobras precisa reverter com urgência a sua política de segurança, principalmente no que tange a recomposição de efetivos de trabalhadores. Esse estudo que a empresa fez, baseado na organização e método, não se mostra eficaz para as atividades de refino, exploração e produção de petróleo. É um processo que estabelece uma atividade cuja continuidade seja padronizada. E na atividade de petróleo essa padronização não existe.

 

O que eu posso dizer é que é possível que a teoria estabelecida na pirâmide venha a acontecer na Petrobras. Nós não desejamos e voltamos a afirmar que a Federação Única dos Petroleiros tudo faz para que realmente a Petrobras atente para as nossas indicações e de fato acidentes, como o que aconteceu lá na Reduc ou até mesmo na base lá da Bahia, não se repitam. Com isso, a gente deixa claro que a percepção pura e simples dos trabalhadores deveria ser obrigação da gestão de SMS. O que nós estamos a testemunhar é que com a redução dos efetivos todas as políticas de segurança ficam comprometidas.

 

Sindipetro PR e SC – Quais práticas de gestão podem ser adotadas para frear essa onda de acidentes que a Petrobrás atravessa?

 

Raimundo – Sem medo de errar e de forma bastante imediata, se a Petrobras quiser frear essa onda de acidentes que ela atravessa é preciso recompor o efetivo dos quadros operacionais e nas atividades de segurança do trabalho. Com bem coloca o professor Marcelo Figueiredo no seu livro A Face Oculta do Ouro Negro, as atividades do setor de óleo e gás são complexas. Elas se estabelecem como coletivas, mas é perigosa e se faz necessária mão de obra em quantidade suficiente e especializada, que tenha realmente o treinamento para evitar que as situações de risco sejam contidas a ponto de se impedir acidentes.

 

Sindipetro PR e SC – O que explica os acidentes envolverem mais trabalhadores terceirizados do que próprios?

 

Raimundo – A proporção atualmente está em um para cada doze, ou seja, existem doze acidentes com terceirizados para cada ocorrência com trabalhador próprio no Sistema Petrobrás.  Atrelado a isso há uma questão de precarização, inexperiência e desprezo da mão de obra terceirizada na sua grande maioria, até em decorrência pelos baixos custos dos contratos que são assinados por empresas para com a Petrobras.

 

E para assumir esse compromisso tão mal dimensionados na questão monetária, é de se esperar que essas empresas terceirizadas negligenciem condições de trabalho, oferecendo EPIs de baixa qualidade e mão de obra sem o devido treinamento, porque quanto menor a remuneração, menor a experiência tem o profissional. Tudo isso é associado a uma precarização que a terceirização proporciona e contribui para que uma onda de acidentes atinja em maior número os trabalhadores terceirizados.

 

Sindipetro PR e SC – O que as instituições podem fazer para proteger a vida dos petroleiros?

 

Raimundo – Não apenas a vida dos petroleiros, mas a proteção da vida de todos os trabalhadores passa primeiro por alguns direitos que são estabelecidos constitucionalmente. A gente tem como premissa básica o direito universal à vida.

 

Quem faz uso da mão de obra operária deveria garantir aos trabalhadores, antes do lucro e de qualquer outra coisa, o direito de chegar às unidades para trabalhar e retornar para os seus lares na mesma condição. Para isso é preciso seriedade nas políticas de segurança. Aplicar as normas regulamentadoras, investir em treinamentos e na qualidade dos equipamentos, mas também na conscientização, porque ninguém menos que o próprio trabalhador estabelece para si a proteção daquilo que entende como sua integridade. Não significa estabelecer que a responsabilidade de cada um por si, pela sua segurança, pois isso é coisa básica, até no que se refere ao instinto de preservação natural inerente ao ser humano. Mas estabelecer um processo de formação, uma política de conscientização, na qual o trabalhador tenha exata noção da percepção do risco que ocorre em torno do local em que ele desenvolve suas atividades.

 

Para que isso ocorra, as instituições têm sim a obrigação de desenvolver políticas, de investir em segurança e em formação.