O encontro na ALEP explicou que as privatizações das refinarias atacam a soberania energética nacional e deixam os combustíveis mais caros. Quem compra uma refinaria indiretamente também adquire o mercado e forma um monopólio regional privado.
A Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) realizou na última quarta-feira (30) uma audiência pública que debateu a situação das unidades da Petrobrás no Estado. O evento aconteceu após o requerimento do deputado Tadeu Veneri (PT), atendendo a pedidos do Sindipetro Paraná e Santa Catarina, do Sindiquímica Paraná e da Federação Única dos Petroleiros (FUP).
No início da audiência, Veneri fez o registro que um convite foi expedido para que a direção da Petrobrás participasse do debate. Todavia, a empresa respondeu por oficio que não iria enviar representante para o evento. O parlamentar lamentou a realização de mais uma audiência pública sem a participação da Petrobrás e ressaltou que a empresa deveria ser uma das mais interessadas em prestar os esclarecimentos.
Professor Lemos, deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores, destacou que a Petrobrás é um patrimônio importante dos brasileiros e brasileiras. “Tem a ver com a nossa soberania. Não podemos permitir que a nossa maior empresa seja entregue à sanha do mercado”.
Ele lembrou que o principal interessado na privatização da estatal é o mercado internacional e que a Petrobrás foi construída com a luta do povo brasileiro ao longo de muitos anos. “Que a gente possa fazer a retomada no próximo ano dos investimentos e da valorização dessa grande empresa, que tem que ficar nas mãos do povo brasileiro”, disse Lemos, se referindo à eleição presidencial deste ano.
A vereadora de Curitiba professora Josete (PT) lembrou a história da Petrobrás e defendeu a importância da empresa como estatal. A petista argumentou que outros países têm entre suas prioridades possuir uma empresa estratégica na área de energia e que a Petrobrás é fundamental para o Brasil. A parlamentar falou ainda sobre os retrocessos causados pelo fechamento da Fafen-PR em Araucária.
Após o golpe aplicado à presidenta Dilma em 2016, diversas mudanças foram realizadas na gestão da empresa. Deivyd Bacelar, coordenador da FUP, contou que logo após tomar a presidência, Michel Temer implementou uma política de preços que dolarizou os combustíveis produzidos no Brasil. O Preço de Paridade Internacional (PPI) e as privatizações no Sistema Petrobrás foram aprofundados no governo Bolsonaro, acelerando o desmonte na estatal com o objetivo de transferir o lucro para os acionistas privados, que em sua maioria são fundos internacionais.
O diretor de relações internacionais da FUP, Gerson Castellano, falou sobre a dependência brasileira na importação de fertilizantes. Ele elencou os consecutivos erros desde a privatização da Ultrafértil, em 1993, relembrando que durante 20 anos a iniciativa privada não investiu na produção dos adubos para suprir a demanda interna. Também, após o golpe e contra à orientação deixada pelos petistas de fortalecer a soberania nacional e modernizar as unidades Fafens, em 2017, durante o governo Temer, a gestão da Petrobrás decidiu se retirar do setor de fertilizantes. E em março de 2018 encerrou as atividades das fábricas de fertilizantes da Bahia, situada em Camaçari, e de Sergipe, localizada no município de Laranjeiras. A saída do setor continuou com Bolsonaro, que fechou a Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná (Fafen-PR), da cidade de Araucária, e vendeu a Unidade de Fertilizantes Nitrogenados (UFN1) de Três Lagoas (MG).
Castellano também evidenciou a necessidade estratégica de se manter as unidades de fertilizantes nitrogenados funcionando, com independência e soberania. “Nós precisamos voltar a investir na indústria aqui no nosso país. Infelizmente nesse processo pós-golpe, a gente vê que isso não tem acontecido. O que a gente percebe é a fuga de todo o capital para fora”, disse ao criticar o lucro absurdo dos acionistas, em detrimento à toda sociedade brasileira. “Pagamos um combustível mais alto, a gente não tem fertilizantes, mas os acionistas estão recebendo os lucros. Eu não entendo o que a sociedade ganha com isso”.
O analista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Cloviomar Cararine lembrou a importância histórica da Petrobrás no Paraná e apresentou dados referentes ao volume de produção e arrecadação que a estatal proporciona para o Paraná. “A refinaria tem uma importância imensa para a arrecadação de tributos no estado. Somente a Repar é responsável por cerca de 11,38% do total arrecadado em impostos no Paraná e cerca de 13,67% do total de ICMS”, destacou.
Cararine apresentou ainda estudos que contestam os falsos argumentos utilizados para validar a privatização das refinarias da Petrobrás e afirmou ainda que, para gerar competitividade no mercado de derivados, a única forma é com novas refinarias. “É muito pequena a possibilidade de aumentar a concorrência, porque há distância em relação a outras refinarias. É uma questão de logística”.
De acordo com o analista, mudanças de projeto de empresa vêm se intensificando desde o golpe de 2016, fazendo com que a estatal perca de áreas fundamentais para a soberania energética do país. “O setor de abastecimento da Petrobrás é responsável por 88% do faturamento da empresa. Ela está abrindo mão de setores que transformam petróleo em derivados e são muito estratégicos”, concluiu.
Os estudos apresentados pelo Dieese convergem com a apresentação feita pelo analista do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (Ineep), Henrique Janger. O pesquisador explanou sobre a atual dependência do país em relação a fertilizantes e ponderou o erro da gestão da estatal em desativar a Fafen-PR. “Dos quatro países que mais consomem fertilizantes hidrogenados, o Brasil é o único que não é autossuficiente”, afirmou.
Para Janger, “a guerra entre a Ucrânia e a Rússia permitiu à sociedade brasileira ver o estrago que a Petrobrás fez para o país por conta da decisão de fechar as plantas de fertilizantes. A questão dos fertilizantes voltou para a pauta nacional, mas a estatal insiste em manter a planta de Araucária hibernada e todos os trabalhadores demitidos”.
De acordo com Janger, a venda da Usina do Xisto também trará consequências negativas para a soberania do país. “Existem estudos que mostram que a água do xisto, produzida na SIX, pode ser explorada para o uso de fertilizantes e isso não foi discutido no processo de privatização”, concluiu.
O presidente do Sindipetro PR e SC, Alexandro Guilherme Jorge, denunciou em sua fala os riscos do sucateamento do Sistema Petrobrás e sua privatização. Para ele, o processo de venda das unidades faz com que haja um menor número de efetivo, com trabalhadores mais sobrecarregados e com salários mais baixos, além da exposição a acidentes, como os que ocorreram nas últimas semanas. “Estamos falando de uma das indústrias mais periculosas que existem no mundo. Tivemos a morte de um trabalhador em Caxias (RJ), em uma atividade que deveria ser corriqueira, mas que infelizmente vitimou um trabalhador que não voltou para casa. Houve um acidente gravíssimo em Paranaguá. Há pouco tempo ocorreu um vazamento de produto dentro da refinaria do Paraná. Na SIX há muita reclamação quanto a odores, e isso aflige tanto a nós, trabalhadores, como às comunidades afetadas por esse processo”, enfatizou.
Para Alexandro, o Sindipetro PR e SC fará tudo o que estiver ao seu alcance, dentro dos limites legais, para demonstrar tanto para a categoria petroleira, quanto para a sociedade paranaense, quem se importa com os temas que influenciam diretamente na vida dos cidadãos e das cidadãs paranaenses. “Quem não se apropriar dessa discussão feita nesta audiência, parlamentares desta casa, que nos representam, o Congresso Federal e que nos representam nos diversos municípios afetados, quem não estiver, diante desse cenário, olhando para isso, que nós cidadãos paranaenses lembremos nas eleições de outubro”, concluiu.
O presidente da Associação Nacional dos Petroleiros Acionistas Minoritários da Petrobrás (Anapetro), Mário Dal Zot, finalizou a audiência chamando de “criminoso” o fechamento da Fafen-PR e criticou a privatização da SIX. “É uma unidade que teve um lucro repetido no ano passado de R$ 250 milhões e foi vendida por R$ 170 milhões, menos que o lucro de um ano, mas ela vai muito mais além”, ressaltou Dal Zot, ao lembrar de toda tecnologia e conhecimento desenvolvido na SIX.
Audiência Pública na íntegra: