10º Congresso: Mesa de debates apresentou dados sobre a saúde mental dos petroleiros

Índices de suicídio de empregados da Petrobrás é estatisticamente maior do que o registrado na sociedade brasileira.

Em continuidade aos trabalhos do 10º Congresso Regional Unificado dos Petroleiros e Petroquímicos do Paraná em Santa Catarina, os participantes acompanharam na tarde desta sexta-feira (16) a mesa de debates “Saúde Mental da Sociedade”.

 

O secretário de saúde, meio ambiente, tecnologia e segurança da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Antônio Raimundo Teles Santos, foi um dos palestrantes convidados e iniciou sua intervenção com conceitos sobre o tema em discussão. “Saúde mental é você estar em equilíbrio com suas emoções para atender as demandas impostas pela sociedade nos microssistemas nos quais estamos inseridos. Temos que estar em paz para nos relacionar conosco e com os outros. Estar bem consigo mesmo e cientes das suas obrigações, deveres e limites. A partir daí encontramos a saúde mental”.

 

Teles trouxe alguns dados que possibilitaram dimensionar o problema dos transtornos mentais, retirados de uma palestra da psicóloga da Petrobrás Gabriela Malafaia, apresentados no evento “vamos conversar sobre saúde mental”, voltado a petroleiros do Espírito Santo. “322 milhões de pessoas sofrem de depressão, o que representa 4,4 da população do planeta. O Brasil tem a maior taxa da América Latina, 5,4%. Todo ano, cerca de 800 mil pessoas cometem suicídio no mundo”.

 

De acordo com o dirigente, o contexto político dos últimos anos agravou o problema dentro da companhia. “Tínhamos um presidente da Petrobrás que disse logo que assumiu o cargo que seu sonho era privatizar a empresa. Promoveu ataques ferrenhos buscando fragilizar a categoria. Gerou insegurança nos trabalhadores nas unidades ameaçadas pela privatização. Os gestores taxaram a situação como resiliência, mas nos transformamos em resistência e conseguimos passar por tudo isso e aqui estamos. Infelizmente, houve companheiros que não suportaram mentalmente esse processo e optaram pelo ato mais extremo”.

 

Informações da Petrobrás apontam que entre os anos de 2018 e 2023 foram 17 o total de casos de suicídios de empregados. O mapeamento corporativo mostra que 430 petroleiros em atividade apresentam estado de saúde mental crítico, com ideação suicida, e 800 estão em situação preocupante. “Não queremos mais iniciar reuniões com minutos de silêncio em memória dos companheiros que tiraram suas próprias vidas. Alguns exemplos das causas são o excesso de atividades, carga de trabalho intensa, ritmos intensificados, má alimentação e poucas horas de descanso. A pandemia intensificou os fatores psicossociais que os petroleiros enfrentaram no último período. Em 2023, a Petrobrás registra o suicídio de um trabalhador por mês, índice estatístico comparativo indica que a ocorrência é superior à média na população brasileira”, destacou Raimundo.

O problema é latente e há tempos está no radar do movimento sindical petroleiro. Em 2013, a categoria conquistou a inclusão da temática no parágrafo 3º da cláusula 81 do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT): “A Companhia se compromete a estruturar Programa de Saúde Mental com foco em ações individuais, coletivas e no ambiente de trabalho como ação de saúde integral para a melhoria das condições de saúde dos empregados, em atendimento aos requisitos legais. O programa deverá ser discutido nas Comissões de SMS nacional e local”.

 

Mudanças de rumo

Com a vitória de Lula nas eleições de 2022 e as consequentes mudanças na gestão da Petrobrás, um novo cenário sobre saúde mental da categoria começa a ser traçado. “A FUP solicitou à Petrobras a criação de grupos de trabalho para temas específicos. Foram gerados 11 GTs e a questão da saúde mental está presente no grupo sobre SMS. Nas reuniões desse GT, a gestão informou que está estruturando sua gerência geral de saúde para atender as demandas sobre esse tema. Nos disseram que avaliaram a estrutura corporativa e não encontraram equipe, contrato ou qualquer tipo de subsídio relacionado à promoção da saúde mental”, afirmou Raimundo.

 

Para o secretário de SMS, a solução para o problema passa pela prevenção, fortalecimento do diálogo e trabalho da equipe multiprofissional em conjunto com outros atores sociais, como os sindicatos. “É preciso criar ações não apenas de precação, mas de educação e formação. Estabelecer o espírito de humanidade para ter o zelo com o nosso próximo. A empresa nos oferece capacete para a cabeça, botas para os pés e jaleco para o corpo, mas o que protege a essência do ser humano. A alma é a essência que carregamos em vida. Quando estamos em pânico, é a nossa alma que adoece. Qual é o EPI que devemos buscar junto à Petrobrás para protege-la?”, questionou.

 

Saúde Mental e Trabalho

A cientista social e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Saúde e Trabalho da Unicamp Marília Cintra compôs a mesa de debates. Ela faz parte de uma equipe que se dedica ao estudo sobre saúde mental das trabalhadoras e dos trabalhadores, com o apoio do Ministério Público do Trabalho de São Paulo, em especial do setor de óleo e gás.

 

“De forma geral, a relação capital e trabalho produz angústia. Quando a dinâmica do trabalho me desgasta, estou sujeita a riscos de saúde. E a categoria petroleira está exposta a perigos físicos e psíquicos. Parte da proposta da tese que estou desenvolvendo envolve o estudo sobre os petroleiros e a proposta é entender como está acontecendo a produção dos sofrimentos mentais”, explicou Marília.

 

A pesquisadora esclareceu que o principal objetivo do estudo é estabelecer uma relação causal entre os casos extremos e o trabalho. “Vamos fazer entrevistas com colegas de trabalho e familiares para compreender como isso estava presente na via daquele trabalhador. Com isso, pretendemos não apenas apresentar resultados à empresa, mas pressionar pela adoção de políticas de prevenção e, assim, mitigar os gatilhos dos rompantes suicidas”.

 

Marília ainda disse que a pesquisa pretende fazer o mapeamento das ações de prevenção desenvolvidas pela FUP e sindicatos que estão em curso e do modo como os profissionais dessas entidades estão fazendo o acolhimento, os registros dos casos e a produção dos dados.

 

Um dado intrigante que a pesquisadora apresentou foi de que o Brasil é o país que mais consome ansiolíticos. Existem indícios de que isso possa estar relacionado ao trabalho. “Nos anos 80, o Brasil tinha o maior número de acidentes de trabalho. Já nos anos 90 era o país que mais registrava casos de lesões por esforço repetitivo (LER/DORT). O trabalho no Brasil é historicamente muito sofrido”.

 

Por Davi Macedo