Nesta quarta-feira, 16 de julho de 2025, completa-se um quarto de século de um dos maiores desastres ambientais da história do Paraná e do Brasil. Em 16 de julho de 2000, um domingo frio de inverno, um vazamento de petróleo de grandes proporções acontecia na Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba.
Foram quatro milhões de litros de óleo cru que escoaram a partir do rompimento de uma junta de expansão na área de “scrape” do setor de transferência e estocagem da Repar. É por ali que o petróleo bombeado do Terminal Transpetro de São Francisco do Sul (Tefran) através do OSPAR (Oleoduto Santa Catarina–Paraná) chegava à refinaria. O óleo contaminou a bacia do Arroio Saldanha e os rios Barigui e Iguaçu. A mancha negra percorreu cerca de 100 quilômetros rio abaixo, poluindo a fauna e flora do Bioma da Mata Atlântica.

“O vazamento ocorreu num domingo à tarde, estava frio, e eu recebi uma ligação do superintendente dizendo: ‘Olha, aconteceu uma catástrofe aqui’. Quando chegamos, tinha rastro de óleo por todo lado. Nos informaram da gravidade do problema, que era bastante sério”.
(Hélio Seidel, presidente do Sindipetro PR e SC à época do acidente)
Cena de guerra e improviso
Nos primeiros dias após o vazamento, o cenário era descrito como uma verdadeira praça de guerra. Helicópteros pousavam e decolavam sem parar, enquanto centenas de pessoas eram mobilizadas às pressas para conter o óleo.
“Quando chegamos para trabalhar na segunda-feira ninguém imaginava aquela magnitude. Depois vimos aquela cena famosa da mancha no rio Barigui entrando no Iguaçu, o petróleo se misturando com a água. Foi uma sensação ruim, um impacto ambiental muito grande”.
(Ricardo Marinho, técnico de manutenção na Repar)

As barreiras improvisadas se multiplicaram ao longo do rio, estendendo-se por dezenas de quilômetros. As equipes atuavam sem planejamento, treinamento ou equipamentos de proteção adequados.
“Os trabalhadores iam sem EPIs, no meio do mato, catando óleo com latinhas e baldes. Tinham contato direto com o petróleo. Eles iam para a guerra sem armas”.
(Hélio Seidel)

“A empresa começou a regimentar terceirizados de pequenas empresas. Eles chegavam a fazer refeições na beira do rio. As condições eram precárias, um absurdo. Fizemos denúncias à Delegacia Regional do Trabalho, mas era tudo muito lento”.
(Sidnei Machado, advogado do Sindipetro PR e SC)
Tragédia ambiental e humana
O impacto ambiental foi devastador. Um levantamento do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) apontou que de cada oito animais resgatados, apenas um sobrevivia. Mas as vítimas humanas, muitas vezes invisíveis, também pagaram um preço altíssimo.
“As pessoas trabalhavam em condições extremamente precárias. Tivemos uma série de casos de contaminações. Dois foram emblemáticos: um morreu e outro ficou paraplégico”.
(Enio dos Reis, ex-diretor do Sindipetro PR e SC)

José Marcondes da Luz atuou na remoção do óleo e desenvolveu graves doenças respiratórias e de pele. Faleceu em 2010, sem ver o processo judicial chegar ao fim.
“Sabíamos do risco. Fatalmente alguns trabalhadores seriam contaminados gravemente. Fizemos denúncias, acompanhamos casos no Ministério Público. Foi também uma tragédia humana, além da ambiental”.
(Sidnei Machado)
O caso de Juracir Francisco da Silva se tornou símbolo das consequências do desastre. Contratado para atuar na contenção e retirada do óleo cru, ele teve contato direto com o material tóxico sem equipamentos de proteção adequado. Poucos dias após o trabalho, começou a apresentar graves sintomas de saúde. Em questão de semanas ficou paraplégico de forma permanente. Desenvolveu ao longo dos anos uma série de doenças relacionadas ao contato com hidrocarbonetos e necessitou de cuidados constantes.
“O Juracir já nos primeiros dias teve sintomas e precisou de tratamento. Nós começamos uma busca para identificar que a doença dele tinha relação com o trabalho na coleta do óleo. O processo tramitou por 15 anos na justiça, até que se reconheceu, de fato, que ele foi contaminado pelo trabalho que fez no rio”.
(Sidnei Machado)

Em 2007, a Justiça reconheceu o nexo-causal entre o trabalho realizado no desastre e a paraplegia. Depois de uma longa batalha judicial, a Petrobrás foi obrigada a implantar em folha de pagamento uma pensão mensal vitalícia para Juracir.
O caso revela o descaso com que os trabalhadores terceirizados foram tratados durante a tragédia e reforça a necessidade de memória, reparação e prevenção para que nada parecido volte a acontecer.
Disputa de narrativas e demissões
Desde o início, a gestão da Petrobrás tentou atribuir o desastre a falha humana pontual. A apuração interna apontou a ruptura de válvula como causa física, responsabilizando operadores e mecânicos.
“Nós sabíamos que a empresa trataria dessa maneira, culpando trabalhadores. Era a narrativa oficial. Mas o problema na realidade era o sucateamento da manutenção. Nenhum dos sistemas de segurança funcionou. Nós conseguimos retirar a questão da falha humana da linha de enfoque principal da grande imprensa e colocar o debate sobre a questão da negligência da gestão em relação à manutenção. Acho que essa foi a primeira grande vitória. E a gente precisava fazer isso porque sabíamos que viriam demissões. (Hélio Seidel)
“Muito rapidamente as chefias apontaram o dedo para supostos culpados e tiraram gloriosamente os seus da reta. Esse era o jogo”.
(Paulo Roberto Cequinel, petroleiro aposentado e ex-diretor do Sindipetro PR e SC que se debruçou a estudar o caso).
Para buscar respostas mais profundas e desmontar a versão da empresa, o Sindicato buscou o apoio de organizações da sociedade civil e participou da Comissão de Mista de Investigação do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Paraná (CREA-PR) sobre o acidente, que reuniu especialistas de diversas áreas. O resultado dos trabalhos evidenciou falhas estruturais de gestão.
“A investigação do CREA apontou todo um processo de desmonte da Petrobrás, com pequenos e médios acidentes que se somavam até gerar um grande acidente ampliado.”
(Roni Barbosa, petroleiro, ex-diretor do Sindipetro e membro da Comissão Mista do CREA-PR)
Ainda que a investigação rigorosa do acidente feita pela Comissão Mista junto ao CREA-PR apontasse erros de gestão como causas principais, a direção da empresa insistiu em jogar a culpa nas costas dos trabalhadores. Quatro empregados foram demitidos. Posteriormente, o Sindipetro PR e SC conseguiu reverter todas as dispensas.
Contexto de privatização
O desastre de Araucária não foi um evento isolado. No mesmo período, a Petrobrás enfrentou outros graves acidentes, como o derrame de óleo na Baía de Guanabara (2000) e o afundamento da P-36 (2001). Todos sintomas de um processo de sucateamento.
“Tudo isso acontecia num contexto em que os gestores buscavam gastar o mínimo. Havia cortes em manutenção, contratos enxugados e diminuição de efetivos. Era o projeto de privatização de FHC em curso”.
(Ricardo Marinho)

Reparação e acordo suspeito
A tragédia ambiental no Rio Iguaçu levou mais de duas décadas para ter um desfecho judicial. O Ministério Público Federal, o Ministério Público do Paraná e o Instituto Ambiental do Paraná ingressaram com uma ação civil pública contra a Petrobrás.
Em 2013, a 11ª Vara Federal de Curitiba condenou a estatal ao pagamento de R$ 610 milhões pelos danos ambientais, morais e à fauna e flora. Apesar de ter recorrido, a Petrobrás teve a condenação confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em 2019.
Em outubro de 2021 foi firmado um acordo. A empresa se comprometeu a pagar quase R$ 1,4 bilhão (valor acrescidos dos juros e correção monetária). A Petrobrás quitou o montante, que foi bloqueado após uma ação judicial questionar a destinação dos recursos. Uma audiência de conciliação em 2024, na Justiça Federal em Curitiba, definiu a distribuição da indenização bilionária: R$ 172 milhões para Unidades de Conservação Federais, R$ 273 milhões para Unidades de Conservação Estaduais, R$ 535 milhões para o Estado do Paraná, R$ 61 milhões para o Município de Araucária e R$ 61 milhões para a Bacia Alto do Iguaçu, além da verba para pagamento da multa do Ibama (R$ 150 milhões).
“É no mínimo curioso que a Petrobrás tenha feito o acordo antes do processo ter sido julgado em todas as instâncias. Mais ainda pelo fato de que a gestão da estatal no governo anterior tinha colocado a refinaria à venda. Liquidar passivos financeiros me parece um bom caminho para atrair compradores”.
(Alexandro Guilherme Jorge, trabalhador da Repar e presidente do Sindipetro PR e SC)

Memória e compromisso
Passados 25 anos, a lembrança do maior desastre ambiental do Paraná serve como alerta. É preciso lembrar das consequências de escolhas políticas e gerenciais que priorizam cortes e lucros em detrimento da segurança, da vida e do meio ambiente.
“São 25 anos da tragédia e ela ainda tá viva na memória de muita gente. Isso nos mostra que precisamos aprender com o passado para não repetir os mesmos erros.”
(Alexandro Guilherme Jorge, presidente do Sindipetro PR e SC)
O Sindipetro PR e SC mantém viva essa memória, não apenas para lembrar a tragédia, mas para fortalecer a luta por condições de trabalho seguras, respeito ao meio ambiente e uma Petrobrás estatal, estratégica e comprometida com o povo brasileiro.
Assista ao minidocumentário sobre o tema, produzido em 2020 pelo Sindipetro PR e SC
Veja também a edição especial da Revista dos Petroleiros do PR e SC sobre o vazamento. Clique aqui para acessar
Por Davi Macedo
Infográfico: Juce Lopes








