José Luiz Pereira dos Santos, mais conhecido como Santos, se aposentou há três anos. Na Petrobrás, também era chamado carinhosamente de ‘Pé de Vento do Nordeste’
Por duas vezes ‘Pé de Vento’ participou de maratonas com a seguinte frase na camiseta: “não estamos à venda”. Obviamente isso chamou atenção de todos. Quando confrontado sobre a razão desse manifesto, mandou um papo reto: “foi minha forma de manifestar insatisfação sobre tudo que está acontecendo na Petrobrás”. Apesar de Santos estar aposentado, ainda se considera petroleiro: “somos todos petroleiros e a gente defende a Companhia. Por isso me manifestei. Foi tudo de forma espontânea, natural, de maneira simples e sincera”, confessa.
Aos 58 anos, ele explica que atualmente sente um pouco de melancolia e saudades dos amigos da Repar, em Araucária. Ao mesmo tempo, tem “a sensação de dever cumprido, já que quando entrei na Petrobrás ainda tinha cabelo”, brinca. A história de Santos se confunde com as raízes do povo brasileiro. Nascido num sítio na cidade de Santa Cruz, interior do Rio Grande do Norte (RN), sobrevivente, numa família de sete irmãos, do sarampo, “que era a “aids do momento””, Santos morou em Caicó, dos 10 aos 15 anos, e aos 16 chegou a Natal, capital do RN.
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Na capital, morou de favor na casa de parentes, fez bicos e estudou a noite. Seu primeiro trabalho de carreira foi como militar: “fui polícia do exército durante quatro anos. Vivi a transição, a redemocratização, isso em 1983. Um ano depois entrei na Petrobrás”. Nesse período, prestou concurso para vigilante e trabalhou durante onze anos na Companhia, ainda no Rio Grande do Norte. Mas foi em 1994 que tudo mudou: “surgiu a oportunidade de fazer um estágio na Repar. Cheguei no Paraná com a mulher e dois filhos (um de onze anos e outro de treze). Logo nos apaixonamos por Curitiba e estamos aqui até hoje”.
Militarismo e preconceito
Quando Santos saiu do exército e se tornou o ‘Pé de Vento’ da Petrobrás, foi trabalhar como vigilante. Ele explica que “na vigilância o pessoal é mais militarizado. Para você ter uma ideia, meu primeiro chefe tinha sido meu comandante no exército, aquilo era um ‘quartelzinho’”. Ainda em Natal, mais precisamente em 1988, ele foi testemunha, mas do ‘outro lado do balcão’, da greve nacional dos petroleiros daquele ano: “os militares diziam que os sindicalistas queriam acabar com a Companhia, mas, na verdade, a ideia de sindicalismo sempre foi o contrário: de defender o trabalhador e também a Petrobrás”.
Santos confessa: “os caras ‘viajavam na maionese’, diziam coisas absurdas sobre sindicalistas, criavam terrorismo e a gente funcionava na base do chicote mesmo, então tinha uma interpretação errada. Esse foi um dos principais motivos que me fez sair de lá. Quando eu comecei a perceber que aquilo não era a minha praia, que aquele não era meu lado, surgiu a oportunidade de vir para cá. Não pensei duas vezes”.
Já na capital paranaense, o trabalhador chegou para fazer estágio na área de segurança do trabalho. Ficou quatro anos no setor e depois foi para área de Transferência e Estocagem. Nesse período, durante o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, a Petrobrás passava por um processo de desmonte, parecido com o que se desenha em 2019, com Bolsonaro. Como forma de barrar todo esse processo, os petroleiros fizeram uma grande greve nacional.
Sobre esse episódio, ele confessa: “fui um dos únicos ou o único que não participou da greve. Não tenho dúvida que foi o resquício do militarismo, daquilo de dizer sim senhor e não senhor. Outra coisa que pouca gente entendeu foi a questão da reclassificação. Eu estava em fase de avaliação, para uma nova função, e os caras estavam me vigiando. Sofri indiretamente várias formas de assédio. Eles diziam: ‘faça o que achar melhor, mas pense no seu futuro e no da sua família’”.
De acordo com o trabalhador, foi um momento muito pesado. Recorreu, inclusive, a terapia. Ele tinha em mente que não iria voltar para o Rio Grande do Norte e que não podia, de forma alguma, perder seu posto de trabalho, situação que facilitou o assédio promovido pelos gestores da época: “foi uma fase difícil. Tinha uma mistura de medo e preocupação com o futuro. Mas depois fui me entrosando melhor e quando fui reclassificado, com certa autonomia, me aproximei mais do sindicato, senti a necessidade de participar das lutas, deixar de ser alienado”.
Petrobrás, saúde e paixão pela corrida
Logicamente que Santos foi questionado, já que protestou recentemente contra a venda da Petrobrás, sobre o que acha desse momento de desmonte da empresa. Ele acha que muitos trabalhadores não se sentem mais parte da Companhia pelo fato de haver “ganância e ascensão funcional em determinados cargos. Isso influência na desmobilização. Na minha época as lutas eram por conquistas. Nenhuma benesse foi dada pela Petrobrás, foi tudo na luta”.
O petroleiro destaca que com o passar dos anos a Petrobrás mudou para pior, principalmente em relação a promoção da saúde dos trabalhadores: “em 2003 teve os Jogos do jubileu, uma espécie de olimpíada de trabalhadores, isso só teve uma vez. Já em 2005 teve a Corrida do Sistema Petrobrás, em que cada região fazia uma seletiva estadual, daí os campões de cada estado faziam a última disputa. Também não existe mais. A própria Petros promovia corridas, mas hoje isso acabou. Não há mais um olhar para a saúde do trabalhador tendo o esporte como incentivo”.
Já no fim do papo, ele finalmente revelou como surgiu o apelido ‘Pé de Vento’ e toda essa energia que se renova: “quando trabalhava na Petrobrás, as vezes tinha que mudar de turno para conseguir participar das maratonas. As vezes saía da refinaria e ia direto correr. Meus colegas me ajudavam, mas também me chamavam de louco. Foi aí que surgiu o apelido carinhoso de ‘Pé de Vento do Nordeste”.
E se você acha que Santos, ou ‘Pé de Vento’, “só” ganhou troféus e medalhas, se engana. Ele conta que uma das coisas mais bacanas que a corrida trouxe para a sua vida, nesses trinta anos de competições, foi o cuidado com a saúde: “parei de fumar em 1986 e passei a beber muito menos graças ao esporte. Sou amador, mas tenho dedicação de profissional. Minha rotina diária é correr pela manhã e fazer musculação a tarde”. Aos 58 anos? Haja energia!
Por Regis Luís Cardoso.