Entrevista: Joka Madruga, repórter fotográfico que cobriu as eleições da Venezuela

“A democracia venezuelana é forte e uma das melhores no mundo”

O jornalista e repórter fotográfico Joaquim Eduardo Madruga, o Joka, foi até a Venezuela para cobrir as eleições do país, convocadas após a morte de Hugo Chávez. Nesta entrevista ele fala sobre a democracia venezuelana, liberdade de imprensa, violência pós-eleição, entre outros. Joka é militante de esquerda e foca sua atuação profissional no registro de ações dos movimentos sociais e sindical. Conheça sobre o trabalho do companheiro Joka no site www.terralivrepress.com
Sindipetro – A grande mídia brasileira propaga aos quatro ventos que na Venezuela há cerceamento da liberdade de imprensa. Você constatou algum tipo de restrição ao trabalho jornalístico?
Muito pelo contrário. Durante o toda minha estada eu estive com a credencial da Arfoc-PR (Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Paraná) no peito e sempre fui bem tratado. Inclusive aconteceu algo que fiquei muito surpreso e tenho o João Pedro Stédile e o jornalista da CUT Leornardo Severo e Vanessa Silva do Portal Vermelho como testemunhas. Na manhã do dia 11 de abril, estávamos no hotel tomando café e apareceu o Daniel Viglietti, famoso cantor uruguaio de esquerda. O Leonardo e Vanessa aproveitaram para fazer uma entrevista com ele. Claro que eu fui registrar o momento e fazer retratos do Viglietti para o coletiva ComunicaSul, que depois distribuía as matérias para vários blogs, sites e jornais de esquerda. E ao trocar as lentes, esqueci de guardar uma, justamente a mais cara. Quando me dei conta, voltei para o local e a lente já não estava mais lá. Fui na segurança do hotel, que me trataram muito bem e me levaram para a sala dos vídeos de segurança. Lá identificamos que foi o fotógrafo do jornal Correo del Orinoco que guardou o equipamento. E enquanto eu estava na sala da segurançaa, o editor de fotografia do Correo me mandava mensagens no Facebook e Twitter, pois na minha lente tem um adesivo da Terra Livre Press. Fui no jornal e me entregaram a lente sem pedir nada em troca.
Fiz este relato para reforçar que, se houvesse impedimento de jornalistas trabalharem, com certeza teriam sumido com meu equipamento para que eu não trabalhasse. Eu andava com a câmera em mãos nas ruas, dentro do metrô, nas praças. Sempre tive total liberdade. Em nenhum momento fui impedido de trabalhar. E lá haviam jornalistas do mundo todo e das maiores agências de notícias.
Se algum profissional da comunicação dizer que há cerceamento da liberdade de imprensa na Venezuela é ignorância ou má fé. A maioria dos jornais impressos são contra o governo venezuelano e o chavismo. A TV Globovisión mostrava na íntegra os comícios do candidato da direita, Henrique Caprilles. Inclusive a família de Caprilles é dona de um dos maiores jornais, o Últimas Notícias.
Nicolás Maduro, antes e depois da vitória, convocou várias coletivas de imprensa e para fazerem as perguntas, era por sorteio devido a quantidade de jornalistas presentes. E nos sorteios sempre teve jornalistas de direita que puderam fazer suas perguntas.
Na Venezuela não existe a tal imparcialidade ou neutralidade, que mascara a democracia. Lá o jornal é de direita ou de esquerda. Assim como nos EUA e em outros países do mundo. E isto não é ruim, pois não engana o leitor que pode decidir se quer ler um ou outro jornal, ou os dois. Aqui no Brasil a maioria dos jornais se dizem independentes, mas a maioria tem um lado, que não é do povo, mas de quem paga mais.
Sindipetro – O que você sentiu nas ruas de Caracas nos dias que antecederam as eleições?
A participação do povo venezuelano na vida política do país é surpreendente. Por toda Caracas se respira política. As pessoas conversam, usam camisetas, debatem onde estejam. No comício de encerramento da campanha de Nicolás Maduro, a cidade parou. Foi como um feriado e três milhões de pessoas foram para as ruas. A relação dos venezuelanos com sua Constituição é de dar inveja. Eles a carregam por onde vão e é fácil comprar um exemplar, pois se vende até nos camelôs. E o clima antes das eleições teve alguns momentos isolados de tensão. Segundo Jorge Arreaza, vice-presidente, o governo desestabilizou várias ações de violência. Dias antes das eleições foram presos mercenários, que tudo indica foram contratados pela CIA, com explosivos e armamentos pesados. Mas nas ruas da cidade a vida estava normal, com ambulantes pelas ruas, crianças nas praças e o comércio aberto normalmente.
Sindipetro – O clamor popular favorável a Nicolás Maduro apontava para uma vitória expressiva, porém o resultado pode ser considerado apertado. O que aconteceu na reta final das eleições para mudar o cenário?
Vários foram os fatores para que isto ocorresse. Um deles foi que o candidato da direita, que foi um dos golpistas em 2002, tentou mostrar uma imagem que também era esquerda. Caprilles incorporou vários símbolos do chavismo, o discurso era o mesmo, de continuidade e fortalecimento dos programas sociais (as missões) e o nome de sua campanha foi “Comando Símon Bolívar”, nome do herói latino-americano e libertador da Venezuela que sempre foi reverenciado por Chávez e a direita ridicularizava. Caprilles “vendeu” o discurso chavista como o novo. E parte do eleitorado, que via na pessoa do Comandante Hugo Chávez a salvação do país de forma imediata. Com a ausência dele e a fala semelhante do opositor, creio eu, que não viram diferença como candidato chavista.
Maduro não é Chávez, óbvio, e este é o maior desafio do presidente eleito. Terá que mostrar força, segurança e inteligência para cativar os venezuelanos que fizeram a diferença em relação a eleição de outubro passado. O PSUV – Partido Socialista Unificado da Venezuela, tem o desafio de repensar sua atuação e formação para um projeto coletivo de nação.
Um fato relevante, é que Caprilles foi vencedor, em dezembro passado, na disputa para ser governador do estado de Miranda, com apenas 2% de votos de diferença. E naquele momento, tanto o PSUV, Chávez, Maduro e o CNE reconheceram sua vitória. E agora ele acusa o CNE de fraude por ter ganho com uma pequena diferença.
Sindipetro – Como você avalia a onda de violência pós-eleição? Existiu uma espécie de incitação à violência pelo candidato derrotado ou foi mesmo uma revolta das chamadas “camadas mais favorecidas”?
A violência pós-eleição mostra que a burguesia é selvagem. Caprilles convocou seus apoiadores para um panelaço na noite de segunda-feira, como forma de protesto. Porém o que aconteceu foi muito maior, os correligionários dele foram para a rua promover a baderna. O que me deixou surpreso, foi ver nos bairros ricos que os próprios moradores fizeram barricadas com pneus e sacos de lixos em chamas, prejudicando eles mesmos. Pelo que acompanhei, até o momento, foram nove mortes, 8 chavistas e um policial, algumas sedes regionais do PSUV foram queimadas e centros de saúde, onde trabalham médicos cubanos, foram atacados, coisa que nem em guerras se vê, pois há uma convenção internacional que protege estes lugares de promoção da vida.
Maduro proibiu, sabidamente, uma manifestação popular de Caprilles, para a quarta-feira seguinte, em frente ao Conselho Nacional Eleitoral (como se fosse nosso TSE). Cogitou-se que os manifestantes iriam invadir o CNE e poderia haver enfrentamento com chavistas. A decisão do presidente evitou mais derramamento de sangue.
Sindipetro – As ações do governo de Hugo Chávez sempre foram voltadas à promoção da igualdade social. Você percebeu mudança na qualidade de vida e também na autoestima da população mais pobre da Venezuela?
Sim, é perceptível a autoestima do venezuelano. Lá eles tem um grito de ordem que é o “Tenemos Pátria!”. E isto significa que eles não precisam mais ver seus filhos se formarem e ir trabalhar em outros países. Significa que as riquezas deles é do povo, como os minerais e o petróleo. E esta riqueza tem se convertido em programas sociais, como o de moradia que se chama Missión Vivienda. Ano passado estive lá em agosto e entrei num dos apartamentos. São espaçosos e resgatam a dignidade do cidadão e cidadã.
Há problemas estruturantes, como a produção de alimentos. Eles importam muita coisa, essencial para a subsistência, como frutas, farinha, legumes e cereais. Mas não vi escassez de alimentos.
O salário base é de cerca de três mil bolívares – salário mínimo de BsF 2.047 mais a cesta-tíquete obrigatória, o poder de compra é grande. A fralda era toda importada e cara, o que fez o presidente Chávez incentivar a criação de empresas nacionais, o preço caiu, ficou bem acessível e acabou com o problema do desabastecimento.
Atualmente na Venezuela o analfabetismo é quase zero, eles tem a quinta maior população universitária do mundo, não há pedágio para os carros nas estradas e o que existe para os caminhões é irrisório, um salário mínimo corresponde a duas mil passagens de metrô ou a mil e quinhentas passagens de ônibus. O salario mínimo brasileiro dá para comprar cerca de 230 bilhetes, com base no metrô de São Paulo.
Sindipetro – A sua produção fotojornalística das eleições venezuelanas foi publicada em diversos veículos alternativos. Qual diferença você percebeu ao comparar a cobertura alternativa com aquela feita pela grande mídia?
A grande mídia, seja onde for, sempre é paga por alguém que tem algum interesse econômico. A imprensa alternativa é movida por ideais e solidariedade. Alguns jornalistas da mídia burguesa até podem ser idealistas, mas o patrão não. O patrão quer que a notícia agrade seus anunciantes. Os jornalistas alternativos são livres para escrever o que realmente pensam e constatam.
A guerra midiática na cobertura das eleições foi grande, principalmente no Brasil. Por exemplo: é comprovado que Caprilles foi quem incitou a violência no dia 15 de abril, mas os jornais e sites brasileiros de direita só mostram a versão do candidato derrotado. O que o leitor deve fazer é se questionar quem são os anunciadores nestes veículos. Em sua maioria são multinacionais de bebidas, automóveis, bancos, setores da energia, entre outros. Todos com interesses econômicos. E a Venezuela tem uma das maiores reservas de petróleo do mundo e não podemos esquecer de que o Iraque foi invadido com o argumento de terem armas químicas e biológicas que até hoje não foram mostradas, mas no fundo todos sabem qual o real motivo.
A exposição fotográfica, que organizo para o meio de maio, mostrará os rostos e o cotidiano da Venezuela em relação à democracia. E dificilmente será divulgada por algum veículo burguês.
Sindipetro – Para finalizar, a Venezuela é um país com uma democracia consolidada?
Um país onde o voto não é obrigatório e cerca de 80% dos eleitores aptos comparecem às urnas, sete candidatos disputam a presidência, os meios de comunicação são livres para expressarem o que querem, a população é beneficiada com programas sociais do governo e os políticos da direita criticam o governo de esquerda sem sofrerem qualquer agressão física ou psicológica. Sim. A democracia venezuelana é forte e uma das melhores no mundo.