O dia 16 de julho de 2000 está marcado na memória do povo paranaense, em especial na dos trabalhadores petroleiros. Naquela data, um vazamento de proporções gigantescas derramava óleo que seria refinado na Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), em Araucária.
No total, quatro milhões de litros de petróleo cru vazaram de um duto e contaminavam os rios Barigui e Iguaçu. O episódio caracterizou-se como o maior desastre ambiental do Paraná e um dos maiores da história da Petrobrás e do Brasil, juntamente com os acidentes do afundamento da Plataforma P-36 (15/03/2001) e do vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo combustível nas águas da Baía de Guanabara (18/01/2000), ambos no Rio de Janeiro. Essa série de sinistros, perfeitamente evitáveis, deixou evidente o sucateamento que a Petrobrás sofreu ao longo do período dos governos neoliberais de Fernando Henrique Cardoso, cuja intenção era privatizar a estatal petrolífera.
Para marcar os 15 anos aquele grave acidente, o Sindipetro Paraná e Santa Catarina, em parceria com o escritório Sidnei Machado Advogados Associados, inaugurou na última sexta-feira (31/07) o Memorial às Vítimas do Vazamento nos Rios Barigui e Iguaçu. Uma parede do auditório da entidade foi preparada para receber imagens de diferentes pessoas e dos impactos na fauna e flora causados pelo acidente. “Foi tudo socialmente construído. É uma política de gestão que levou a acontecer àquela série de acidentes. Esse evento é importante por conta de lembrarmos para não deixarmos que volte a acontecer”, frisou Mário Dal Zot.
O advogado Sidnei Machado, assessor jurídico do Sindicato, ressaltou as vertentes do evento. “A meu ver, o primeiro significado é de resistência. Estamos aqui, 15 anos depois, para dizer que naquele episódio, apesar da tragédia, houve o sindicato, os dirigentes, algumas autoridades, pessoas que se envolveram e fizeram denúncias, resistiram. Essas pessoas precisam ser lembradas e dar voz a elas para que essa história seja recomposta. Nesse sentido, o Sindicato foi uma vanguarda, porque já no primeiro momento buscou denunciar às autoridades, registrar o evento e ajudar os companheiros. Fez o que um sindicato que tem uma trajetória forte na questão de saúde e segurança dos trabalhadores faria, mas foi além porque envolveu não apenas trabalhadores diretos, mas terceirizados. A segunda dimensão importante é a memória às vítimas. À época os jornais deram uma cobertura imensa, com ênfase em suas primeiras páginas para os danos ambientais, mas as pessoas que foram atingidas lamentavelmente não tiveram a devida importância e o espaço naquele momento. Dentre essas vítimas, houve várias dimensões. Desde aqueles que foram punidos indevidamente em função do vazamento, com advertências, suspensões e alguns casos até de demissão. Também foram vítimas aqueles que foram ameaçados durante o processo de apuração as causas do acidente. E, claro, vítimas aqueles que sofreram consequências à saúde ocupacional”, registrou Machado.
Hélio Seidel era presidente do Sindicato na época do vazamento e fez um relato detalhado do caso. “Era um domingo e eu estava em casa com meus familiares quando recebi um telefone do gerente geral da refinaria. Logo em seguida liguei para o Ferreira e nós fomos para a refinaria. Chegando lá, vimos marcas de óleo e pegadas por todo lado. No dia seguinte, a refinaria montou um esquema de guerra, parecia um quartel. Tinha campo para três ou quatro helicópteros que ficavam subindo e descendo sem parar”. Seidel lembrou as imprudências da empresa em relação à admissão de pessoal. “A contratação de trabalhadores era feita sem critérios. Não havia exame admissional, simplesmente pegavam o trabalhador, davam uma canequinha e mandavam catar óleo lá no mato. Esse foi basicamente o processo. Outra situação que pegamos foi que a maioria dos trabalhadores era demitida ao sétimo dia para não precisar registrar. Havia um precedente na legislação que permitia isso. Depois contratavam uma nova leva de trabalhadores”.
O ex-presidente do Sindipetro ressaltou a situação de Juracir. “Poucos dias depois do acidente a gente conheceu o Juracir, que apareceu aqui junto com outros colegas se queixando de dor de cabeça. O Ferreira o encaminhou de imediato ao Hospital do Trabalhador. Foi um processo triste na medida em que a gente via a Petrobrás não oferecer a resposta adequada aos casos de adoecimento. Pior ainda foi um médico da empresa na época apresentar um laudo onde dizia que a causa das doenças vinha de um vírus selvagem. De qualquer forma, a empresa não tinha como fugir da responsabilidade, uma vez que os trabalhadores foram demitidos sem exame demissional, ou seja, não havia nenhum controle naquele processo. Depois houve uma luta grande para acertar a situação dos adoecidos, principalmente do Juracir”, afirmou Seidel.
Juracir Francisco da Silva é uma das vítimas do vazamento de 2000. Após trabalhar por nove dias sem proteção adequada, desenvolveu uma série de doenças e chegou a ficar paraplégico. Bastante emocionado, disse apenas algumas poucas palavras. “Eu não sei nem o que dizer. Se tivesse citar nomes e agradecer pessoas, talvez não saíssemos daqui hoje. Se não fossem os companheiros do Sindipetro, talvez não seria só o Marconedes (trabalhador já falecido em função de doenças desenvolvidas pelo contato com o petróleo), o Juracir também não estaria aqui. É difícil falar. Só quem sabe é quem passou e quem acompanhou. Eu devo muito a todos vocês”.
Ao retomar a palavra, o presidente do Sindipetro Paraná e Santa Catarina fez questão de lembrar do companheiro Jaime Ferreira, dirigente sindical e militante da causa da saúde do trabalhador que atuou com firmeza no vazamento, falecido em 2008. “Ferreira foi um amigo do Juracir. Em vários momentos que a gente conviveu, mesmo depois de adoecer, ele sempre fazia questão de lembrar-se do Juracir. Era uma questão de honra para o Ferreira. Infelizmente ele não pegou o final do processo, onde comprovou o nexo causal, mas ele foi sempre um defensor da causa da saúde do trabalhador”, disse Mário.