Movimento revela resultados do assédio moral: adoecimentos e mortes

“Vítimas do HSBC” traz depoimentos reais e dados estatísticos de uma pesquisa realizada ao longo de dois anos

 

O sonho de Aline* sempre foi trabalhar e aposentar-se no Bamerindus. Entretanto, a venda do banco paranaense começou a mudar os planos da bancária. “Quando entrou o HSBC a minha vida virou um inferno. Eu não tive mais vida particular. Eu trabalhava praticamente 24 horas por dia, de segunda a domingo, e até transportava malotes cheios de dinheiro a pé, sem segurança”, relata.

A extenuante jornada de trabalho levou a bancária a uma série de cirurgias identificada como fruto das lesões por esforço repetitivo. Ela contabilizou 18 cirurgias. “Fiquei três anos em uma cama e não podia nem pegar minhas filhas no colo”, revela. Na agência, o braço engessado foi explicado pela sua superiora a colegas de trabalho como resultado de uma agressão do marido. “Fui humilhada”, revela.

 

Este relato é apenas um dos inúmeros exemplos da forma como os métodos de gestão que resultam em assédio moral podem atrapalhar a vida das pessoas. O depoimento faz parte do movimento “Vítimas do HSBC”, resultado de uma pesquisa realizada pelo Instituto Declatra em parceria com o Sindicato dos Bancários de Curitiba e Região. Mas é uma situação que pode acontecer em qualquer empresa, segundo os organizadores. “As empresas adotam um modelo de trabalho que está levando milhares de pessoas à depressão, doenças, fadiga, stress, frustração e até suicídio”, analisa o presidente do Instituto Declatra, Mauro Auache.

O trabalho envolveu dois anos de pesquisa, uma equipe multidisciplinar e a investigação de dados relacionados as homologações de desligamentos de trabalhadores, processos trabalhistas contra o banco e dados do Ministério da Saúde e da Previdência Social. A pesquisa concluiu que os métodos de gestão da instituição financeira resultavam em assédio moral organizacional e consequentemente ao adoecimento dos seus trabalhadores.

Esta modalidade de assédio identificada na pesquisa não acontece apenas entre um superior e um funcionário. Trata-se de de assédio moral organizacional, ou seja, faz parte das orientações de gestão da empresa. São ações de violência cotidiana, que nunca foram encaradas como tal, mas sim mascaradas como necessidade de competição e de performance lucrativa da empresa.

“Não se trata, obviamente, de um modelo exclusivo do HSBC: relatos de trabalhadores em outras empresas são bem parecidos, no entanto optamos dar ao movimento o nome de Vitimas do HSBC, pois ele é um dos grandes representantes dessa prática”, relata Auache. Além disso, a saída do banco do País torna a pauta urgente, ao trazer insegurança aos mais de 22 mil trabalhadores.

ESTATÍSTICAS

O levantamento realizado durante oito meses por cinco pesquisadores trouxe dados alarmantes. Das 3.904 demissões que constam na pesquisa, 73,6% foram sem justa causa e 23,1% ocorreram a pedido do trabalhador.

No formulário que oficializava o seu desligamento do banco 38,3% dos trabalhadores indicaram que tiveram, em algum momento, afastamento por problemas de saúde e a maioria deles (56,5%) denunciavam a ausência da emissão de Comunicados de Acidente de Trabalho (CAT).

A pesquisa também levantou que 52,4% dos trabalhadores que processaram o banco na Justiça do Trabalho tiveram problemas com métodos assediosos e as doenças ocupacionais apareceu segundo na lista de processos com 24,3%.

“Em nossa análise também ficou evidente o crescimento de ações propostas por gerentes do HSBC que triplicou entre 2011 e 2013, passando de 27 para 81 reclamatórias. Outro crescimento é o número de processos envolvendo práticas antissindicais que passou de 19 para 117 no mesmo período de estudo”, exemplifica o advogado Nasser Allan, um dos coordenadores da pesquisa.

No caso de métodos assediosos constam ações relativas a precariedade das relações superiores ou com colegas de trabalho (72,7%), altos níveis de pressão por tempo (57,9%), sobrecarga ou pouca carga de trabalho (55,9%), metas abusivas (45,8%) e ameaça de demissão (35,4%) para exemplificar alguns dos mais citados. Outras menções como isolamento físico ou social, exposição vexatória por produtividade e controle do uso do banheiro também aparecem na pesquisa de forma constante. A falta de pausa para recuperação, por sua vez, apresentou uma ampliação significativa entre 2011 para 2013, passando 15% para 26% das reclamações presentes nas ações.

Outro dado que chamou a atenção dos pesquisadores é o fato de que, dos trabalhadores que citaram problemas de saúde em decorrência do trabalho, a maioria não tinha histórico de afastamento por doenças.

COMO SURGIU A PESQUISA

A pesquisa foi iniciada pelo Instituto Defesa da Classe Trabalhadora, especializado em direitos dos bancários, quando advogados do Sindicato dos Bancários de Curitiba perceberam um aumento no adoecimento destas pessoas e idealizaram uma ação trabalhista inovadora, que coibisse o banco de praticar métodos de gestão assediosos.

Ela também resultou em uma ação civil pública, do Sindicato dos Bancários de Curitiba, ingressada pela advogada Jane Salvador de Bueno Gizzi, que está tramitando perante a 5ª Vara do Trabalho de Curitiba. A primeira audiência será realizada nesta quarta-feira (19), na capital paranaense.

A pesquisa não é um fim em si, mas sim tem como objetivo abrir esta frente e denunciar o assédio moral estrutural como um perverso instrumento ataca diretamente a vida dos trabalhadores em qualquer empresa.

O MOVIMENTO NAS REDES

O movimento “Vítimas do HSBC” está na rede. Um hotsite e a Fan Page reúnem depoimentos de personagens reais que contam as suas experiências como vítimas do assédio moral organizacional.

Os endereços eletrônicos também trazem estatísticas resultado da extensa pesquisa promovida pelo Instituto Declatra e o SEEB/Curitiba, bem como, outras informações relacionadas ao assédio moral.

Veja o primeiro depoimento aqui e o segundo depoimento aqui

Fonte: Instituto Declatra