Na análise do advogado Sidnei Machado o Governo Federal usa pandemia do COVID-19 para retirar direitos dos trabalhadores. Na prática, de forma obscura, o presidente aprofunda ainda mais a crise nas faixas socioeconômicas mais vulneráveis
Há um vírus que circula nas relações de trabalho no Brasil. Ele contaminou boa parte das cabeças que estão em Brasília. A principal característica desse germe é que ele atua como uma ferramenta de corrosão dos direitos da classe trabalhadora. Trata-se de uma doença chamada neoliberalismo, que, ano após ano, prova ser incapaz de promover o bem estar social. Sua face mais sombria é desmascarada quando surgem crises de graves proporções, como é o caso da pandemia do novo coronavírus.
A conexão entre COVID-19, neoliberalismo e direito da classe trabalhadora pode ser vista na Medida Provisória (MP) nº 936/2020, publicada em dois de abril e batizada de “Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda”. Uma canetada de Jair Bolsonaro que autoriza patrão a reduzir jornada e salário de trabalhadores, além de suspender os contratos de trabalho por até dois meses.
Para aprofundar esse debate, o Sindipetro PR e SC retoma (LEIA AQUI SOBRE A MP 927) o papo jurídico com o advogado da entidade, Sidnei Machado, que também é professor do curso de direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Sidnei Machado destaca inicialmente que essa MP 936 “autoriza duas duras medidas sobre o salário do trabalhador formal: a) a redução jornada de trabalho com redução proporcional do salário; b) suspensão dos contratos de trabalho”. O advogado explica ainda que a medida busca uma redução em massa dos salários dos trabalhadores formais.
Salário
Para o assessor jurídico do Sindipetro PR e SC o achatamento salarial é muito grande com esta medida. “Está na contramão do que ocorre em muitos países, que correm para adotar medidas de proteção ao emprego e a renda. Já o governo Bolsonaro libera as empresas para cortar salários e suspender contratos de trabalho”.
Essa redução do poder econômico atinge justamente a parcela mais vulnerável em relação a pandemia do COVID-19. Bolsonaro propõe ainda, como única forma de compensação financeira, o Benefício Emergencial: “corresponde a um valor proporcional à redução do salário, também proporcional ao maior valor do seguro-desemprego”, completa Sidnei.
O professor de direito explica que na redação da MP 936 há a proposta de reduzir jornada e salário em 25%, 50% ou 70% por 90 dias: “para um empregado que ganha R$ 3.000,00, por exemplo, poderá receber só R$ 900,00, mais R$ 1.269,12 de complemento do governo. Assim, sua renda será de apenas R$ 2.169,12, ou seja, uma redução salarial de 38%”.
De acordo com essa nova medida, as empresas poderão suspender os contratos de trabalho por 60 dias. “A única garantia remuneratória nesse período será 70% do seguro-desemprego, ou seja, até R$ 1.269,12”, revela o assessor jurídico do sindicato.
Negociação
A MP 936 também tenta deteriorar a relação entre entidades de defesa dos trabalhadores e representantes patronais. “A negociação direta entre empresa e trabalhador, sem a participação obrigatória do Sindicato, deixará o trabalhador sem escolha diante do absolutismo do poder da empresa”, Sidnei explica ainda que nesse ponto a MP viola a Constituição, já que a redução de salário e jornada é permitida somente por acordo ou convenção coletiva (art. 7º, VI).
É uma contradição, em um momento de crise geral no Brasil e no mundo, o Governo Federal não promover medidas de proteção ao trabalhador. O advogado aponta que essa agenda neoliberal impacta nas medidas de proteção do emprego e que há uma alternativa: “a decisão deveria ser de moratória para todas as demissões durante a crise”.
Mas, nesta disputa, nada está definido. “Agora resta ao Congresso Nacional corrigir rapidamente esta MP. Ao STF, já acionado, não pode deixar de pôr um freio na investida do Governo Federal de esvaziar o papel da negociação coletiva”, conclui Sidnei Machado.