Geólogo Guilherme Estrella esteve na Alep e impressionou os participantes com sua palestra.
Uma aula sobre geopolítica, história do petróleo no Brasil e soberania nacional. Foi o que aconteceu na audiência pública “Pré-Sal, Petrobrás e o Paraná”, realizada na terça-feira (17), na Assembleia Legislativa (Alep).
O evento contou com a participação do geólogo aposentado e ex-diretor de exploração e produção da Petrobrás, Guilherme Estrella, e do ex-governador Roberto Requião, além de vários deputados estaduais, sobretudo da bancada de oposição na Alep, e de lideranças sindicais.
O sindicalista ainda denunciou o desmonte da Petrobrás e interesses conflituosos na venda da SIX. “Os trabalhadores da companhia estão doentes porque nunca sabem o que vai ser do dia de amanhã. Nossas unidades estão à venda. A Usina do Xisto, de São Mateus do Sul, está em um processo avançado de privatização, mas muita coisa ainda deve vir à tona. Esse fundo de investimento canadense Fobes e Manhattan busca levar a tecnologia da SIX há mais de 10 anos e isso a gente tem comprovação. O TCU já investigou e infelizmente colegas da Petrobrás prevaricaram quando tiveram mais informações e não fizeram o que tinha que ser feito. Talvez se lá atrás fosse tirado esse fundo de investimento da jogada a situação hoje fosse diferente”, revelou.
A Aula – Parte 1: história do petróleo no Brasil
A fala mais aguardada na audiência pública foi a de Guilherme Estrella, considerado o “Pai do Pré-Sal” por ter sido diretor de exploração e produção da Petrobrás e chefiado a equipe que fez a descoberta da mega reserva de petróleo brasileiro em águas profundas. O geólogo aposentado falou por cerca de duas horas e impressionou o público com seu vasto conhecimento sobre geopolítica e história do petróleo no Brasil.
Partindo de Getúlio Vargas e o movimento “O Petróleo é Nosso” até o atual contexto de desmonte da Petrobrás e altos preços dos combustíveis, Estrella deu uma verdadeira aula aos que acompanharam a audiência. “Foi Getúlio quem introduziu o fator energético como base de soberania nacional e do desenvolvimento industrial brasileiro. Enfrentando dificuldades internas, deu o golpe e impôs a Constituição de 1937, a qual trouxe para o poder do Estado as riquezas do subsolo e também da água em superfície. Com a criação do Conselho Nacional do Petróleo, em 1937, começamos efetivamente a explorar e produzir petróleo, inicialmente com o campo de candeias, em 1941, que é um monumento nacional e está sendo vendido como se fosse uma caixa de banana. É o primeiro produto da capacidade brasileira em descobrir e produzir petróleo”, disse o geólogo.
O ex-diretor da Petrobrás contou que a partir daquele momento surgiu a expressão “o homem da mala”. “A capital federal era no Rio de Janeiro e estava sendo votada a Constituição Brasileira. Existia um sujeito com uma mala que visitava os congressistas para que o Brasil tivesse uma Constituição absolutamente liberal. Esse homem da mala carregava o dinheiro, pelo que se falava, da Esso e da Shell. O resultado foi que a Constituição de 46 abriu o território brasileiro aos interesses das empresas internacionais”.
Um pouco à frente na história, surge o movimento “O Petróleo é Nosso”, que toma as ruas e força a criação da Petrobrás com o monopólio estatal do petróleo, em 1953. “Um fato interessante é que não foi uma medida do Getúlio Vargas, mas sim uma emenda de um deputado de São Paulo. Por ‘coincidência’, Getúlio se suicida em 1954”, ironizou.
O geólogo contou que logo que Café Filho assumiu a Presidência da República, os interesses internacionais voltam a interferir na política brasileira. O muro de Berlim é derrubado em setembro de 1989 e em dezembro surge o Consenso de Washington. “Os EUA assumem a hegemonia completa na cena geopolítica mundial e decreta os dez mandamentos do capital, que traz as privatizações das estatais, destruição da legislação trabalhista, abertura total dos mercados, entre outros, para os países subordinados”.
A Aula – Parte 2: quebra do monopólio estatal e as privatizações
Estrella relembrou que naquela época, com a chegada de Collor ao poder, começava a era das privatizações no Brasil. O ápice fora atingido no governo Fernando Henrique Cardoso, que privatizou mais de cem empresas estatais, inclusive a Telebrás. “O Centro de Pesquisa da Telebrás de São José dos Campos era um dos principais do mundo. Estávamos na fronteira do conhecimento científico e tecnológico das comunicações. Em apenas uma semana esse Centro foi fechado”.
Foi FHC também que quebrou o monopólio estatal do petróleo, em 1999, e a Petrobrás entrava em um processo de diminuição das suas atividades. O então presidente determinou que as áreas de exploração fossem divididas em blocos e orientou a Petrobrás a restringir sua atuação na Bacia de Campos. “FHC tomou essa decisão já imbuído de um espírito puramente financista, pois já havia sido descoberto petróleo por lá e em geologia se aplica perfeitamente aquela expressão do ‘caminho das pedras’. Quando a área de exploração descobre um modelo de acumulação, aí descobre outros em sequência. Eram campos em águas até profundas, mas não no pós-sal. Na geologia nós estudamos de baixo para cima, do mais antigo para o mais novo. Então o pré-sal é mais antigo do que o pós-sal”, explicou.
Na visão de FHC, as companhias estrangeiras investiriam na exploração das demais áreas e resolveriam um problema brasileiro, mas não foi bem isso que aconteceu. “Pelo contrário, a Shell era detentora, em parceria com a Petrobrás, de um bloco exploratório em cima da acumulação de Libra. A petrolífera anglo-holandesa parou a perfuração do poço no meio do sal por duas razões. Primeiro, por desconhecimento geológico; segundo, porque não tinha tecnologia para perfurar dois mil metros de sal. Além disso, a Shell já era um fundo de investimentos e não tinha nenhuma responsabilidade com o Brasil, só visava lucro”, pontuou.
A Shell, então, percebeu que não iria conseguir perfurar a espessa camada de sal e também não sabia o que encontraria por lá. “Então resolveu devolver o bloco de Libra, no qual depois descobrimos a existência de 10 bilhões de barris. Naquele tempo ainda não detínhamos a tecnologia de exploração em águas profundas, mas sabíamos que a área era muito prospectiva”, contou Estrella.
A Aula – Parte 3: A era Lula e a descoberta do Pré-Sal
A direita foi derrotada nas eleições de 2002 e o governo Lula assume o poder a partir de 2003. “Fui honrado em ser chamado para ser diretor de exploração e produção da Petrobrás. No mesmo ano, o governo determina que a estatal reassumisse a sua posição de protagonista no setor de petróleo e gás no Brasil. Uma decisão puramente política. Porém, existiam cinquenta anos de desenvolvimento de ciência e tecnologia, além de treinamento de pessoal de toda a escala profissional. A Petrobrás era uma companhia forte. Foi uma decisão política, mas baseada em uma história que já tínhamos enquanto empresa e havia a comprovação da competência da empresa com a descoberta dos campos de águas profundas na Bacia de Campos. Ainda não havia tecnologia para exploração, mas nós a desenvolvemos em um ano”, disse o geólogo.
Estrella lembrou com orgulho de quando a Petrobrás ganhou pela primeira vez o prêmio OTC Distinguised Achievement Award, em Houston-EUA, considerado o Oscar da indústria petrolífera offshore mundial. Posteriormente, a estatal brasileira recebeu a premiação por três outras vezes. “Ganhamos esse reconhecimento como uma empresa monopolista, sem esse negócio de competição e quebramos o estigma de que é a competição que promove o desenvolvimento científico e tecnológico”.
A diretoria de Exploração e Produção da Petrobrás seguiu com as explorações em alto mar e encontrou grandes oportunidades na Bacia de Santos. “Foi aí que se manifesta uma decisão política ligada à soberania nacional. O governo, acionista controlador da Petrobrás, em nenhum momento chegou para mim e disse ‘você está gastando demais’. Nós gastamos mais de US$ 200 milhões no primeiro poço. Foi uma decisão política que tinha na sua base conhecimento geológico e de engenharia. Nós constituímos um grupo com os melhores engenheiros da companhia juntamente com a universidade brasileira. Furávamos mais um pouco, parávamos e em nenhum momento o acionista controlador deu uma de Shell. Foi assim que descobrimos o Pré-Sal”, comemorou Estrella.
No entanto, o ex-diretor da Petrobrás ressaltou que não foi tarefa fácil. “Quando investigamos o Pré-Sal, o primeiro poço inclusive não tinha óleo, mas sim um gás natural com grande quantidade de gás carbônico, mas aí nós fomos para a área de Tupi e descobrimos aquele campo. Foi quando se confirmou a grande expectativa do Pré-Sal. Quando isso acontece, em 2006, três meses depois os EUA reativam a 4ª Frota Naval do Atlântico Sul. Antes disso, houve espionagem na Petrobrás e na Presidência da República. O computador do poço descobridor foi roubado no Porto do Rio de Janeiro. Viemos a Brasília falar com o chefe da Abin. Tinha a CIA envolvido nisso, com certeza. Quando a gente descobre o Pré-Sal, o Brasilzão teve finalmente, em toda a nossa história, as condições de construir um projeto de país soberano, com ciência, tecnologia e indústria brasileiras”, analisou Estrella.
A descoberta do Pré-Sal representou a oportunidade de construção de um projeto de soberania nacional e desenvolvimento autônomo brasileiro. Isso aconteceu concomitantemente com o surgimento dos BRICS, a aliança Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. “Como é que o pessoal do outro lado da mesa, que estava nos acompanhando, percebeu tudo isso. Não bastava termos descoberto muito petróleo, ainda estávamos nos aliando a países fora do eixo dominante. Para o poder do capital mundial isso era inaceitável”, afirmou Estrella.
Em 2006 a China ainda não tinha toda essa expressão que tem hoje. Ela estava dando seus primeiros passos de confronto com os EUA na cena geopolítica. “Aí entra um ponto importantíssimo. Nós, a partir de 2003, conquistamos o governo brasileiro, mas não conquistamos o poder no Brasil. Essa foi a grande equação que se montou para os nossos governos irem paulatinamente conquistando o poder, mas isso certamente mapeado por quem está do outro lado da mesa”, refletiu o geólogo.
A Aula – Parte 4: O golpe e o desmonte da Petrobrás
Com o golpe de 2016, o país sofreu uma reviravolta política. De um projeto de país soberano para a total subserviência ao capital internacional. “O poder efetivo no Brasil conquistou o governo somente através desse governo, fruto do golpe de 2016. A partir de então, poderiam fazer o que quisessem e fizeram. Abriram totalmente a economia brasileira e jogaram o Brasil dentro de um projeto neoliberal. Esse pessoal tem um projeto que transforma o Brasil em uma colônia. É um projeto de país não soberano, subordinado ao grande interesse internacional e antibrasileiro”, apontou Estrella.
O ex-diretor da Petrobrás lembrou que em 2003, quando iniciou o governo Lula, a estatal estava transformada em unidades de negócio, próximo do que aparenta estar atualmente. “Cada refinaria era um negócio diferente, tudo desarticulado. O que fizemos foi reconstruir a integração da companhia, transformando-a em uma empresa integrada de energia, do poço ao posto, incluindo as petroquímicas, as fábricas de fertilizantes, as termoelétricas e fomos para o biocombustível”.
Bolsonaro, como marionete do neoliberalismo, a Petrobrás integrada está sendo esquartejada, dentro de um projeto de país voltado ao mercado, quer exerce força e poder absolutos. “A dolarização dos preços e essa coisa toda que o país atravessa é reflexo disso”, afirmou o geólogo.
A Aula – Parte 5: O Brasil e a energia
O geólogo apontou que a matriz energética do Brasil é uma das mais equilibradas do mundo, sendo 55% de combustíveis fósseis e 45% de energias renováveis. “Quem poluiu a atmosfera do mundo não fomos nós. A matriz energética no mundo hoje é de 80% fósseis e 20% renováveis. Quem tem que pagar essa conta do aquecimento global são os países desenvolvidos, que têm 80% da sua energia em combustíveis fósseis, não o Brasil. Quando chegamos na descoberta do Pré-Sal, disseram que não deveríamos explorar por causa da transição do modelo energético. Isso é uma falácia, uma mentira”, protestou.
Estrella apresentou dados do consumo dos EUA, que gira em torno dos 20 milhões de barris de petróleo por dia. A China, por sua vez, utiliza 15 milhões de barris diariamente. “Temos que aumentar o consumo de energia do nosso povo. Poderíamos consumir tranquilamente dez milhões de barris por dia de óleo equivalente, sendo seis milhões de petróleo e quatro milhões de energia renovável, o que seria uma matriz energética bastante equilibrada”.
A Aula – Parte 6: O Paraná e a Petrobrás
O ex-diretor da Petrobrás lembrou que foram os impostos do povo brasileiro que construíram a Refinaria da Bahia e a SIX. “É fruto da nossa competência como sociedade e isso não pode ser alienado. Quando uma outra empresa adquire uma empresa que tenha um conteúdo científico e tecnológico, na verdade o que ela está comprando é esse conhecimento, que tem um valor muito maior do que a coisa material que está ali. Temos que nos organiza para impedir o desmonte da Petrobrás e o Paraná é um exemplo disso”, disse Estrella, fazendo referência à campanha contra a privatização da Copel, que reuniu mais de cem entidades da sociedade civil organizada.
A Aula – Parte 7: Eleições 2022 e os desafios do Brasil
Com as eleições de 2022, o desafio das forças progressistas e democráticas nacionais é enfrentar um projeto antinacionalista. “Não existe meio termo, projeto mais ou menos nacionalista. São apenas dois pratos nessa balança que vai decidir o futuro do país nessas eleições. O primeiro é de um Brasil retomando a sua importância internacional, com a exploração das nossas riquezas por empresas brasileiras e com distribuição de renda. O segundo é de um país colônia do capital interacional”, mostrou Estrella.
Nas próximas eleições, avalia Estrella, esse novo plano mundial já estará inserido como um desafio. “Significa que nós nos atrelaremos como colônia a um grande polo que está sendo demolido, colapsando, que são os EUA e Europa; ou nós assumiremos afinal nossa importância mundial pelas nossas riquezas, que sempre existiram e estão aí à nossa disposição. Essa escolha vai ter que ser feita pelo povo brasileiro”, concluiu.