Uma greve para chamar de nossa – Por Ednubia Ghisi

Diante das ameaças de privatização da Petrobras, mais uma vez os trabalhadores da empresa é que saem em defesa da soberania nacional. Furar a desinformação e propagandear a defesa da Petrobras estão na pauta do dia.

 

Por Ednubia Ghisi*

 

Novembro ainda não chegou na metade e já dá sinais de que será dos mais agitados para as lutas populares, neste intenso ano de 2015. Junto das manifestações que unificam a luta contra o conservadorismo e o avanço de políticas neoliberais, escancarados por inúmeros projetos de lei retrógrados, a greve nacional dos trabalhadores da Petrobrás, petroleiros e petroquímicos, assume papel histórico.

 

No lugar das questões de cunho corporativo, ligadas mais diretamente ao interesse dos funcionários, a greve encampa a luta política contra a privatização. As paralisações começaram no final de outubro e ganharam dimensão nacional no início de novembro, com a adesão da maioria das refinarias, terminais, fábricas e plataformas em alto mar.

 

A história se repete e mais um vez os trabalhadores da Petrobras saem em defesa dela, como empresa estatal que tem papel decisivo para as conquistas futuras de todo o povo brasileiro. Há 20 anos esta mesma bandeira foi levantada em 32 dias de greve petroleira, durante o governo FHC. Hoje a empresa não é mais a mesma e o interesse do capital internacional em botar as mãos nela só aumentaram com a descoberta do Pré-Sal.

 

De 2000 até 2014, a participação da estatal no Produto Interno Bruto (PIB) passou de 3% para 13%. Segundo informações da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustível (ANP) de 2014, o volume de reservas de petróleo no Brasil deve dobrar até 2022. A expectativa é de que esse crescimento leve o país da 15ª para a 10ª posição no lista de países com as maiores reservas do mundo – os cinco primeiros são Venezuela, Arábia Saudita, Canadá, Irã e Iraque, nesta ordem.

 

Ataques

As denúncias de corrupção cresceram junto com a importância que a Petrobras ganhou e com o potencial de riqueza capaz de gerar. Mas se é de interesse nacional a reparação das irregularidades, é ainda maior a necessidade de impedir que este problema se torne argumento para a entrega do patrimônio brasileiro para o capital privado, nacional e internacional.

 

E os ataques vêm de todos os lados. A nomeação de Aldemir Bendini para a presidência da estatal, no dia 6 de fevereiro, é o marco de uma guinada para os interesses do mercado. Na bagagem, Bendini levou para a Petrobras a experiência como presidente do Banco do Brasil e diretor-executivo da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Somado a esse perfil, desde o final de abril assumiu o cargo de presidente do Conselho de Administração da Petrobras Murilo Ferreira, que simultaneamente ocupa nada menos do que o posto de presidente-executivo da mineradora Vale – sim, a antiga Vale do Rio Doce, vendida a preço de banana já no primeiro ano do governo tucano, em 1994, e que agora figura entre as responsáveis pela tragédia em Mariana/MG.

 

O Plano de Negócios e Gestão 2015-2019, apresentado por essa nova diretoria, em 26 de junho, aprovou investimentos de US$ 130,3 bilhões para o período – valor 37% menor quando comparado ao plano anterior. Entre as consequências diretas estão a desaceleração da obra do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e das refinarias Premium no Maranhão e no Ceará. O item mais perigoso do Plano é chamado “desinvestimentos”: venda de bens e ativos que pode chegar à ordem dos 57,7 bilhões de dólares. Na previsão de vendas está parte de empresas subsidiárias como a BR Distribuidora e a Transpetro, navios petroleiros e poços de petróleo.

 

A justificativa para tais medidas é a redução do endividamento e a geração de valor para os acionistas, flagrante opção pelo lucro privado em detrimento do interesse nacional. Na prática, as medidas podem gerar desintegração produtiva do sistema Petrobras e a desvalorização da empresa, cenário parecido com aquele enfrentado pelos trabalhadores em 1995, contra o governo PSDB. Por falar em tucano, o senador José Serra encabeça o Projeto de Lei do Senado 131/2015, que propõe tirar a Petrobras da função de operadora única do Pré-sal e acabar com a obrigatoriedade legal da empresa participar em pelo menos 30% das áreas exploratórias.

 

Defesa de outro projeto

O PLS 131 é encaminhado para o plenário do Senado no dia 16 de junho, 10 dias antes do lançamento do Plano de Negócios da Petrobras. A partir daí os petroleiros protagonizam as inúmeras mobilizações contra o projeto, nas galerias do Senado, em frente a unidades da empresa, em aeroportos, com apoio de movimentos sociais e sindicatos de outros categorias.

 

O posicionamento do Executivo é incerto. As palavras da presidenta durante um encontro com movimentos sociais em agosto vieram em consonância com a pauta petroleira, assegurando lutar até suas “últimas forças” pela manutenção do atual Lei de Partilha. No entanto, no final de outubro Joaquim Levy, ministro da Fazenda, afirmou a possibilidade de mudança na regras para haver maior “liberdade”.

 

Desde o início de julho a FUP vem tentando negociar a “Pauta Brasil”, uma proposta de substituição do Plano de Negócios que traz como prioridade a defesa da Petrobras e do Pré-sal, acima inclusive das pautas econômicas e de caráter corporativo. A luta contra a privatização é também pelo aprofundamento do caráter público, ameaçado nos últimos anos pelo aumento do número de trabalhadores terceirizados: são cerca de 86 empregados diretos e 300 mil terceiros.

 

Como forma de pressionar a abertura da negociação, 13 sindicatos filiados à FUP mobilizaram a paralisações do trabalho por 24 horas, no dia 24 de julho. Ao todo 12 estados participaram, com envolvimento de funcionários próprios e de terceirizados da estatal e de subsidiárias. Mesmo após as paralisações e manifestações posteriores em algumas unidades, não houve qualquer abertura de diálogo por parte da diretoria da empresa. Como agravante, a Petrobras adotou, por vezes, práticas antissindicais para reprimir dirigentes dos sindicatos e trabalhadores da base.

 

Nossa greve

Se a tática da greve é a única saída para pressionar a negociação com a empresa, ela tem se mostrado também como ferramenta de formação e propaganda sobre a situação vivida pela Petrobras. É neste momento que se fortalece a organização para além da categoria petroleira, com destaque para a contribuição do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por exemplo na construção conjunta da greve na Refinaria Presidente Getúlio Vargas (REPAR) e da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados (FAFEN-PR), localizadas em Araucária, Região Metropolitana de Curitiba/PR.

 

A tenda montada na principal estrada de acesso às duas empresas tem servido de plenária para formações e reuniões, diariamente, desde o primeiro dia de paralisação. Cerca de 200 acampados e assentados, de várias regiões do estado, vão sair dessa greve com a compreensão e a prática da luta geral, de interesse nacional, que também se articula à luta pela terra. Por ali também passaram militantes de movimentos de juventude, de sindicatos de outras categorias, de organizações políticas, professores e estudantes, principalmente nas marchas realizadas quase todas as manhãs.

 

Mas, nestas quase duas semanas de greve, os porquês envolvidos na mobilização têm tido pouca visibilidade nos meios de comunicação tradicionais, teimosos em enaltecer o prejuízo e o ponto de vista mercadológico, sem contexto ou memória. Seria ilusão esperar outra coisa. Por isso, furar a desinformação e propagandear a defesa da Petrobras estão na pauta do dia. Também em solidariedade à briga encampada pelos petroleiros, mas principalmente em defesa da soberania nacional, essa greve precisa ser nossa.

 

*Ednubia Ghisi é jornalista da equipe do Brasil de Fato Paraná, militante da Consulta Popular, da Frente Paranaense pelo Direito à Comunicação e Liberdade de Expressão (Frentex-PR) e diretora do Sindicato dos Jornalistas do Paraná (Sindijor).