Vitória de Maduro fortalece integração e desenvolvimento do Brasil e da Venezuela

A vitória de Nicolás Maduro nas eleições presidenciais da Venezuela neste domingo (14) fortalece a integração do Brasil com o país vizinho, potencializando o desenvolvimento comum a partir de ações iniciadas pelos presidentes Lula e Hugo Chávez, que hoje tem papel decisivo no enfrentamento aos impactos da crise internacional.
Esta é a compreensão dos economistas Pedro Barros, titular da missão do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) na Venezuela, e Luciano Severo, professor da Universidade Federal Latino-americana de Integração (UNILA) e autor do livro Economia Venezuelana 1899-2008, a luta pelo petróleo e a emancipação, estudiosos do processo revolucionário bolivariano.
“O resgate da autoestima da população, do orgulho de ser venezuelano e latino-americano ocorreu por meio da utilização dos recursos do petróleo em duas grandes linhas: o pagamento da histórica dívida social – agravada nos anos 80 e 90 com a política neoliberal – e o esforço para diversificar a produção e criar uma estrutura agroindustrial que responda a uma dinâmica dirigida ao mercado interno”, explica Luciano Severo.
Para o professor da Unila, o sucesso dessa ”primeira linha” é reconhecido pela Cepal, FAO e Unesco, “pois elevou o poder de compra real dos salários, ampliou direitos dos trabalhadores, erradicou o analfabetismo com a quinta maior população universitária do planeta e expressivas melhoras nos indicadores de saúde e de alimentação”. Em relação a “segunda linha”, disse,“existem dezenas de iniciativas no sentido do fortalecimento da estrutura produtiva nacional, com a participação do Estado, do setor privado e de empresas mistas com o Irã, China, Rússia e Índia, promovendo a criação de relações bilaterais fora da tradicional submissão a Washington”.
Assim, em meio à “confrontação com o império” e apesar de uma “parte do setor privado conspirar contra o projeto nacionalista em curso”, explica Luciano, “as iniciativas vão desde empresas de linha branca, como geladeiras, fogões, microondas e ar-condicionado, até a construção de estaleiros, siderúrgicas, fábricas de papel e celulosa, autopeças e complexos agroindustriais e começaram a mudar a estrutura produtiva e fazer com que haja maior presença da produção nacional na oferta de bens, substituindo importações e gerando emprego, renda e arrecadação tributária que retroalimenta a economia venezuelana”.
“Em relação a 2010, o crescimento da corrente de comércio entre Brasil e Venezuela foi de 30%, tendo as exportações crescido em 31,2% e as importações em 19,7%. Neste período o saldo brasileiro cresceu 34,4%. Quando a comparação se faz com o ano de 2011, percebe-se que a Venezuela foi o único país, entre os três principais parceiros na América do Sul, cuja corrente de comércio cresceu no ano passado. A corrente de comércio se expandiu 3,3%, e o saldo brasileiro teve uma expansão de 22,1%”, aponta a Câmara de Comércio Brasil-Venezuela. Com o objetivo de reduzir estas assimetrias, os dois países têm investido em ações comuns.
Conforme levantamento da doutoranda Verena Hitner, ao longo do mandato dos presidentes Lula e Chávez, entre 2003 e 2010, “a Venezuela se destaca entre todos os parceiros mundiais”. “Foi o país que mais recebeu visitas do presidente Lula, 13 reuniões bilaterais e outras três reuniões multilaterais em território venezuelano; enquanto o presidente Chávez visitou 20 vezes nosso país, sendo também o mandatário que mais nos visitou no período”.
PARCERIA PARA AVANÇAR
Entre outros importantes pontos de contato Brasil-Venezuela, Pedro Barros lembra que a Caixa Econômica Federal contribui para a sustentabilidade urbanística, social e econômica do país vizinho, apoiando o programa Grande Missão Vivenda (construção de três milhões de moradias até 2019) e a instalação de terminais do Banco da Venezuela em áreas periféricas “sem nenhuma condicionalidade, mas com solidariedade”. A Grande Missão Vivenda, aponta, “foi um dos programas decisivos para retomar a atividade econômica depois da crise de 2008 e 2009, construindo 350 mil apartamentos em pouco mais de dois anos”. A injeção de recursos na construção civil, destaca Pedro, “enfrenta um dos principais déficits sociais do país e ajuda a dinamizar outros setores da economia”.
INTEGRAÇÃO PRODUTIVA E DE INFRAESTRUTURA
Do ponto de vista estritamente técnico, o economista do Ipea reforça a necessidade de dar continuidade aos estudos sobre a integração produtiva e de infraestrutura do Norte do Brasil e do Sul da Venezuela e ao acompanhamento do processo de ingresso da Venezuela como membro pleno do Mercosul, bem como aos cursos de formação sobre planejamento e políticas públicas para órgãos governamentais. “O grande desafio é transformar o crescimento conjuntural do comércio em integração produtiva. Os presidentes Chávez e Rousseff deram um grande passo ao determinar a elaboração de estudos para subsidiar um Plano de Desenvolvimento Integrado entre o Norte do Brasil e o Sul da Venezuela. Vincular as maiores reservas certificadas de hidrocarbonetos do mundo com a maior biodiversidade do planeta é um objetivo dos mais estratégicos. Em nenhum outro país do mundo há uma presença maior de instituições públicas brasileiras. As empresas brasileiras, financiadas pelo BNDES, também têm sido responsáveis por grandes obras de infraestrutura na Venezuela: estaleiro, siderúrgica, expansão do metrô, pontes sobre o rio Orinoco, hidroelétricas e termoelétricas, projetos agrícolas de grande envergadura”, acrescenta Pedro Barros.
Essas construções, reforça o arquiteto e pesquisador Flávio Higuchi Hirao , ”têm área superior aos do programa brasileiro Minha Casa Minha Vida, são melhor localizadas e contam com financiamento mais generoso”. “Em cerca de 50% destes empreendimentos a participação popular teve papel decisivo, com a comunidade organizada envolvida diretamente na construção, via conselhos comunais e movimentos sociais”, destaca Flávio.
SALÁRIOS COM GANHO REAL
Pedro Barros frisa que boa parte do eleitorado chavista está concentrada na faixa de renda de até dois salários mínimos, a principal beneficiada com a ação governamental dos últimos 14 anos. “O poder de compra desta faixa na Venezuela é muito maior do que na maior parte da América Latina, pois além do valor do salário mínimo em si ainda conta com uma cesta básica e por preços subsidiados. Entre outros exemplos podemos citar os preços do metrô, da gasolina, das tarifas de energia e gás”, citou.
Com dois filhos, Verena Hitner sustenta que ser mãe na Venezuela é “muito mais barato”, com os preços baixos de fraldas, leite em pó, alimentos e remédios, “sem falar na qualidade do serviço público de saúde”. “Com a máquina de lavar e secar, ferro de passar e chuveiro elétrico nossa família gasta apenas 50 bolívares mensais com eletricidade e 8 bolívares mensais com o gás, que é um valor fixo para qualquer casa. Como o salário base é de cerca de três mil bolívares – salário mínimo de BsF 2.047 mais a cesta-tíquete obrigatória – , o poder de compra é grande. Quando cheguei em Caracas há dois anos e meio, a fralda era cara, pois era toda importada. Como o presidente Chávez incentivou a criação de empresas nacionais, o preço caiu, ficou bem acessível e acabou com o problema do desabastecimento”, conta Verena.
Atualmente na Venezuela, um salário mínimo corresponde a duas mil passagens de metrô ou a mil e quinhentas passagens de ônibus, não há pedágio para os carros nas estradas e o que existe para os caminhões é irrisório.
Apesar da campanha oposicionista veiculada pela grande mídia de que haveria uma suposta “escassez” de produtos, não foi o que vimos nas prateleiras abarrotadas dos supermercados. Da mesma forma, nas feiras livres que visitamos pudemos constatar uma fartura de frutas, verduras e legumes, bem como de carnes de frango, peixe e carne. No Mercal, mercado estatal, os valores são muito mais baratos, possibilitando à população furar o bloqueio de especuladores que, assim como no Chile de Allende, muitas vezes escondem produtos nas prateleiras para forçar o aumento de suas margens de lucro.
“Com a aprovação da nova lei do trabalho, que passa a valer a partir de maio”, enfatiza Pedro Barros, “o trabalhador também terá mais tempo livre, com a redução da jornada para 40 horas semanais, entre outros avanços que garantirão o acesso da classe a uma cesta de mercadorias e serviços maior do que a grande maioria dos países em desenvolvimento”.