Seu nome: Luiz Américo Delphim. Nome de guerra: Delphim. Nascido em Curitiba, mas sempre morou em Paranaguá. Entrou na Petrobrás em 1977 e se aposentou em 2001. Participou da greve de 1988 como sindicalista e esteve em Brasília defendendo a classe trabalhadora na luta pela Constituinte!
Delphim se mostrou um ‘cara a flor da pele’. Em conversa na sede do Sindipetro Paraná e Santa Catarina, ele foi do sorriso fácil, quando lembrou das vitórias dentro do movimento sindical, às lágrimas, ao falar sobre as desilusões que o convívio com a política o causou. Quando ele olha para trás, sua preocupação é saber se deixou um alicerce para a nova geração.
E nessa conversa você vai compreender que sim, esse trabalhador, que participou da greve dos petroleiros de 1988, em Paranaguá, e foi a Brasília lutar ao lado da classe trabalhadora pela promulgação da Constituição Cidadã, no mesmo ano, ajudou a deixar importantes legados para a nova geração.
“Esse pessoal da nova geração dificilmente entende que é o emprego dele que está em jogo. É a vida dele. Quando nós fazíamos greve, em 1988, levávamos a família junto para a porta da fábrica. Era mulher, era criança, de todos!” – Delphim.
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Sobre o projeto de venda do Sistema da Petrobrás, sinalizado pelo atual governo federal, o petroleiro explica que o contexto é diferente, mas são os postos de trabalho que estão em jogo mais uma vez:
“Greve para nós, naquele momento, era para a defesa do emprego. Sempre fomos contra a pelegada. Éramos da ação. Da atividade”, conta.
E por estar sempre na linha de frente, enquanto sindicalista, passou por poucas e boas, mas “arrependimento nunca! Ou melhor, talvez eu tenha saído muito cedo do Sindicato, mas sempre tive em mente que era preciso passar o bastão para os outros”.
Você já deve ter percebido que Delphim realmente é da atividade. Mesmo enquanto trabalhava na Petrobrás, ele teve banca de revista e até boteco. Depois, já aposentado, foi motorista de Van durante oito anos.
Hoje ele continua seu engajamento. É atuante dentro dos Conselhos da Saúde tanto Municipal, em Paranaguá, quanto estadual:
“Não abro mão do meu direito de ir lá discutir. Hoje sou participante. Não quero ir lá e ser o líder, pois hoje tenho que passar a liderança para quem é jovem e tem representatividade. Temos que formar novas lideranças e tem gente boa na base. Só não sabemos se vamos ter a Petrobrás ainda” – Delphim.
Sindicalismo e Greve de 1988
A história de Delphim no movimento sindical começou em 1984 no SindipetroPReSC. “Em 1986 e 1987 já começaram as paralisações. Era muito forte no litoral. Chegou a ter diretor de Curitiba indo para Paranaguá pedir pelo fim da greve, porque a gente não conseguia acabar”, recorda.
No fim da década de 80 o Brasil passava por uma transição. A classe trabalhadora estava empenhada na defesa da nova constituição:
“Uma vez meu chefe, diretor da empresa, veio perguntar: ‘o que você está defendendo? Tudo que está defendendo você já tem! Vai ficar brigando pelos outros?’. Daí coloquei para ele que essa é a nossa função. Nosso interesse é que todos os trabalhadores tenham o mesmo” – Delphim.
E foi durante a greve geral dos petroleiros de 1988 que o trabalhador foi um dos demitidos.
Ele explica que em Paranaguá, onde trabalhava, havia um pequeno pessoal que tentava furar a greve. Quando os pelegos chegavam com a Kombi da empresa, eram obrigados a descer antes da entrada da Petrobrás: “tinham que caminhar mais ou menos uns 400 metros até a portaria. Isso constrangia. Chegou o momento que eles não queriam mais ir trabalhar”.
Para fugir do movimento paredista, a gestão da Petrobrás mudou a rota. Colocou os fura greve num barco, que saía do porto de Paranaguá, para os deixar num píer. De lá eles pegavam um carro que os deixava nos fundos da Companhia.
O detalhe é que a área de desembarque era numa via pública, mesmo tendo a sinalização da Petrobrás.
“Naquele ímpeto, quando escutamos que o pessoal ia entrar pelos fundos, atravessamos uma cancela e encontramos a Kombi com o pessoal. Eles queriam entrar no terminal passando pela rua pública. Nós paramos o carro e os fizemos descer. Teve uma discussão, eu me posicionei em frente ao carro, o motorista tentou colocar o carro em cima de mim, aí um vigilante, diante da gravidade da situação, disse que todos iriam a pé” – Delphim.
A Petrobrás justificou a demissão dele e de Antônio Sérgio da Silva (falecido em 2018) por terem invadido aquela área que supostamente pertencia a estatal. O retorno ao trabalho foi após sete meses e se deu pela Lei da Anistia, após aprovação da nova Constituição.
Os dias em Brasília
O ano de 1988 faz parte da história do Brasil. Em 05 de outubro foi promulgada a nova Constituição e Delphim esteve lá pressionando os deputados: “a gente ficou num apartamento onde dormiam mais ou menos 14 pessoas. De sindicatos de todo o Brasil. Nós tínhamos um cantinho em cada quarto, com beliches. Nosso dia a dia era ir ao congresso pressionar os políticos”.
Das histórias inesquecíveis, o petroleiro fala do dia em que foi bater na porta de Maurício Fruet (ex-deputado federal e ex-prefeito de Curitiba). Era meio dia quando ele chegou ao gabinete do político, que o recebeu informalmente:
“Ele me viu e disse – ‘entra aí, rapaz’; eu tinha 24 anos! Aí me perguntou o que eu queria, então expliquei que estava lá para agradecer a votação no primeiro turno e que ele mantivesse sua postura de ficar ao lado da classe trabalhadora. Ele respondeu: ‘olha, conosco, do MDB, vocês não precisam se preocupar, vocês têm que correr atrás daqueles safados da Arena, são todos sem vergonha’” – Delphim.
Em outra passagem, o petroleiro se emociona:
“Minha família se dava muito bem com o Paulo Pimentel, que na época era deputado federal. Fui ao gabinete dele, me apresentei, falei de Paranaguá, dos laços políticos dele e do meu pai, aí ele disse assim: ‘podem contar com a gente que eu vou estar ao lado de vocês’. Quando houve a votação, nós fizemos um corredor polonês por onde os deputados passavam, aí quando ele apontou, eu e um amigo o conduzimos como se fosse apoiador nosso. No outro dia, fomos ver o posicionamento e descobrimos que ele se absteve”.
O trabalhador explica ainda que desse episódio ficou o rancor, pois o ex-deputado e ex-governador paranaense “no primeiro turno votou contra e depois se absteve!”.
Delphim relembra do desdobramento desse dia:
“No outro ano ele (Paulo Pimentel) foi a Paranaguá. Tinha uma reunião num clube que meu pai estava tomando posse como presidente. O convidou. Até me embarga a voz: minha mãe disse: ‘ó, o Paulo tá aí’, e eu falei: mãe, não quero falar com ele, porque se eu falar vou agredir”.
A verdade é que todos os trabalhadores que estavam no Plenário Federal naquele período tem seu capítulo à parte, com Delfim não foi diferente:
“Uma vez, quando chegamos para a votação do segundo turno, estávamos mais ou menos em 600 pessoas. Não nos deixaram entrar com nossas faixas. Aí as enrolamos no corpo. Depois, já sentados, começamos a tirá-las. O que não sabíamos é que, no Plenário, a cada três pessoas, um civil te vigia. Quando tiramos as mensagens, com a imprensa avisada da manifestação, não ficou uma em pé. O pessoal se jogou em cima das faixas para não mostrar nosso protesto”.
Mas, segundo o próprio petroleiro, os trabalhadores não se deram por vencidos:
“Eu dei a ideia para que cada um de nós fosse com uma letra. Uma camiseta branca por baixo com alguma escrita. Aí os sindicatos compraram as camisetas e panos para fazer as letras. No outro dia todo mundo estava com elas por baixo da camisa e do paletó. Quando chegamos e tiramos, o pessoal da guarda legislativa olhou para nós e fez sinal de positivo, pois não podiam fazer nada. Em compensação, no outro dia, todo mundo foi revistado e, se tivesse com camiseta, não subia. Mesmo com credencial”.
Agora, depois desses causos, o que fica são os alicerces. E não são poucos. Se não fossem pelos ‘Delphims’ que existem por aí, nossa frágil democracia nem sequer existiria.
Por Regis Luís Cardoso (Fotos: Arquivo Sindipetro Paraná e Santa Catarina).