Negociações suspeitas envolvem a venda SIX

Reativação das unidades de pesquisa através de terceirizações cria fonte de renda para a empresa que comprar a Usina do Xisto. Petrobrás pagaria cifras milionárias pelo arrendamento de setores de desenvolvimento de novas tecnologias.

 

Poucos sabem, mas a Usina do Xisto (SIX), em São Mateus do Sul, a 150 km de Curitiba, conta com o maior parque tecnológico da América Latina para pesquisas na área de petróleo. São 17 unidades criadas para desenvolver novas tecnologias de refino e petroquímica, gás e energia, meio ambiente e produtos derivados.

Por muitos anos, as pesquisas da SIX geraram inovações que trouxeram mais eficiência na produção de combustíveis e ampliaram os rendimentos da empresa. Alguns exemplos de tecnologias criadas são a gasolina de alta octanagem usada na Fórmula 1, o craqueamento do biodiesel para transformar glicerina em metanol, reutilização de pneus para geração de óleo combustível e enxofre, processos de autoqueima para indústrias de cerâmica, estudos com diferentes tipos de xisto do mundo todo, além de melhorias contínuas nos processos de todas as refinarias da Petrobrás.

Boa parte dos lucros gerados pelo CENPES (Centro de Pesquisa da Petrobrás), em torno de US$ 450 milhões/ano, vinha das pesquisas realizadas na Usina do Paraná. Foram décadas de investimentos para alcançar esses patamares, mas a direção bolsonarista da Petrobrás coloca tudo a perder.

Em 2019, a gestão da estatal decidiu paralisar a pesquisa da SIX. Todas as unidades permaneceram hibernadas e os trabalhadores foram transferidos para setores da operação da Usina.

Faz alguns anos que a Petrobrás deixou de ser uma empresa que busca o crescimento e a geração de novas tecnologias. Em 2011, a estatal batia o recorde em investimentos em pesquisa, inovação e desenvolvimento com a cifra de US$ 1,45 bilhão. Esse nível se manteve acima da casa de US$ 1 bilhão até 2014. De lá para cá, esse número despencou. Em 2020 a Petrobrás destinou apenas US$ 350 milhões para a pesquisa.

A gestão da Petrobrás segue à contramão da lógica ao adotar uma política de desinventimentos que busca o reducionismo, não o progresso. Passou a ser uma empresa que não pensa no futuro e só visa o lucro imediato de seus acionistas. Para isso, implementa um programa de privatizações de ativos e pratica a política de preços dos combustíveis com base na cotação do dólar e do barril de petróleo no mercado internacional, em prejuízo à população e à soberania energética nacional. Apenas neste ano a Petrobrás repassou R$ 52 bilhões em distribuição de dividendos aos acionistas.

Negócios suspeitos

A SIX, assim como todas as outras refinarias das regiões sul, norte e nordeste do país, está incluída no programa de desinvestimentos. Há indícios de que a venda da unidade esteja atrelada ao arrendamento das unidades de pesquisa. Empresas privadas estão sendo colocadas nessas áreas e petroleiros próprios foram convocados para treinar os terceirizados.

A estratégia se assemelha ao que ocorreu com a Nova Transportadora do Sudeste (NTS) e a Transportadora Associada de Gás (TAG), duas ex-subsidiárias de dutos da Petrobrás que foram privatizadas, mesmo sendo essenciais para a operação da estatal. O resultado foi vexatório. A Brookfield, um fundo de investimentos canadense, pagou pela NTS a bagatela de US$ 4,23 bilhões. Desde então, a empresa vem acumulando lucros e receitas recordes às custas da Petrobrás, que agora precisa alugar a preços de mercado os dutos que antes lhe pertenciam. Em média, a estatal gasta R$ 1 bilhão por trimestre com aluguel de dutos. Ou seja, em menos de quatro anos já terá pago à Brookfield todo o valor que arrecadou com a privatização.

O caso da TAG é semelhante. A Petrobras está pagando cerca de R$ 3 bilhões ao ano para utilizar os gasodutos da empresa que vendeu por cerca de R$ 36 bilhões, mesmo sabendo que iria aumentar a produção, ou seja, ia precisar ainda mais dos gasodutos para distribuir petróleo e gás. Com a privatização, em pelo menos 10 anos a petroleira vai gastar todo os recursos que obteve com a venda do ativo em pagamento de aluguel do gasoduto, que antes fazia parte do seu patrimônio. E vai continuar gastando, já que a sua distribuição passa pela TAG.

A privatização da SIX parece seguir a mesma (falta de) lógica. O comprador deve passar a receber uma espécie de aluguel pelo arrendamento das atividades de pesquisa, curiosamente retomadas em caráter terceirizado no meio do processo de privatização. Trata-se da criação de uma fonte de renda mensal e milionária para a empresa que comprar a Usina do Xisto.

O Sindipetro Paraná e Santa Catarina defende a reativação imediata das unidades de pesquisa da SIX enquanto atividades próprias de empresa integrante do Sistema Petrobrás, como sempre foi. Mais do que isso, vai investigar e denunciar todo e qualquer indício de irregularidade.

A Petrobras tem que responder por que reativar a toque de caixa a unidade de pesquisa, sem pessoal treinado, às vésperas da pretendida venda da SIX? O que está por trás disso?

Patrimônio estratégico

A SIX é fundamental para a economia de São Mateus do sul. É a maior contribuinte do município, respondendo por aproximadamente 45% da arrecadação de ICMS e indiretamente por cerca de 50% do ISS, além dos royalties sobre a produção de óleo e gás de xisto.

A partir da exploração e processamento do xisto produz óleos Combustíveis, GLP, gás combustível, nafta, enxofre e insumos para pavimentação que são utilizados pelos mais diversos segmentos industriais, tais como cerâmica, refinaria de petróleo, cimenteira, usinas de açúcar e agricultura. No ramo de fertilizantes, a SIX produz a Água de Xisto que é um insumo para a formulação de fertilizantes foliares, com eficácia comprovada por extensas pesquisas realizadas pela EMBRAPA e IAPAR através do Projeto Xisto Agrícola. Sua capacidade instalada é de 5.880 toneladas/dia.

Desde 2013, a SIX já pagou mais de 63 milhões de reais em royalties, 30% para o município de São Mateus do Sul, segundo a petroleira. A Petrobrás ainda tem uma dívida com a prefeitura de São Mateus do Sul e o Estado do Paraná de 1 bilhão de reais relativos aos royalties. A estatal ameaça fechar a SIX caso as autoridades estaduais e municipais não aceitem renegociar essa dívida, que estaria atrapalhando o processo de venda da unidade.